Triângulo da Tristeza

Três motivos me levaram a ver este novo longa de Ruben Ostlund, e só quando os três se juntam é que consigo encarar tarefa assim penosa:

a) masoquismo, pura e simplesmente. É um motivo que não consigo explicar a não ser pelo desejo de ver uma obra com grande possibilidade de que eu vá odiá-la. Melhor ver um filme assim do que um modorrento qualquer, que nada me desperta;

b) o prazer de ver filmes, por pior que sejam, e extrair qualquer forma de pensamento a respeito deles, mesmo que seja um pensamento comparativo e negativo dentro de um estado de coisas do cinema contemporâneo;

c) uma obrigação profissional, o ônus de um crítico que pretende acompanhar o cinema de seu tempo. Isto se torna um exercício mais sadio quando se compreende melhor os dois motivos anteriores. Além disso, todos os tipos de trabalhos têm suas desvantagens, e essa – ver filmes ruins – me parece uma desvantagem bem tranquila, uma tarefa não tão penosa afinal.

Em um momento de Triângulo da Tristeza, o capitão do navio vivido por Woody Harrelson entra num duelo de citações com o capitalista russo interpretado por Zlatko Buric (que está muito parecido com o falecido crítico Jean Douchet). Num filme setentista de Ettore Scola ou Francesco Rosi, esse duelo seria mais refinado e ainda assim acharíamos fraco. No filme de Ostlund, é um dos poucos momentos que se salvam da desgraça, reforçando a pobreza conceitual e estética de seu cinema. Campo e contracampo com cada um deles no centro dos quadros enquanto a câmera simula o navio enfrentando a tempestade. E a partir daí, não sobra pedra alguma.

O navio naufraga por causa de uma granada que explode, alguns sobrevivem numa ilha deserta, onde o comunismo feminista é instalado naturalmente. O magnata russo lamenta a esposa morta na praia ao mesmo tempo que lhe tira o colar caro do pescoço e o esconde em seu sapato. A faxineira que se torna capitã porque ousou falar mais alto repreende dois jovens que roubaram salgadinhos de sua mochila durante a madrugada. Os milionários oferecem seus relógios rolex por um minuto de sono dentro de uma capsula que sobrou do navio e agora é dormitório das mulheres do grupo. Tudo isso poderia ser bacana, mas é tão pobremente construída a sátira social e já estamos tão desinteressados por todos os personagens que se torna apenas pueril.

Ostlund é um profissional da destruição. É um demolidor, mas não de uma maneira que possibilita a reconstrução futura. Não é a demolição de Buñuel ou Makavejev. Ele põe abaixo e deixa o solo infértil. O auto-intitulado “vendedor de merda” se apossa do navio dominado pela merda que explode de vasos sanitários entupidos. O próprio navio explode por uma granada vinda de um barco de piratas, que volta a seu dono, o rico fabricante de armas de guerra, como um presente do inimigo. Aliás, não veremos mais esse inimigo, mas se é inimigo dessa gente, pensamos, só pode ser nosso amigo.

Conclusão: com certos tipos de filmes, os preconceitos se revelam menos lamentáveis e sofridos que os pós-conceitos. Ou seja, por mais que esperasse o pior e que já era possível antecipar muitas coisas do filme unicamente pelo cartaz e pelo trailer, tudo pode se tornar ainda mais degradante. Que este dejeto em forma de filme tenha sido ovacionado e vencido a Palma de Ouro em Cannes não me surpreende, como não me surpreendia há muito tempo qualquer podridão que eu ouvia de lá. Cansados do que chamam de academicismo e desesperançados com o que chamam de novidade, os mercadores do cinema (o que envolve críticos, jornalistas, programadores e festivaleiros em geral) agora premiam e elogiam excrementos. Não vejo a possibilidade de se descer mais baixo (na carreira de Ostlund, em Cannes, nos festivais, na crítica, no cinema contemporâneo).

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