Balanço da 43ª Mostra SP

suleiman

Foi-se o tempo em que eu via entre 50 e 60 filmes a cada edição da Mostra SP. A média de quatro ou cinco filmes por dia ficou entre 1993 (quando comprei minha primeira credencial integral) e 2008, mais ou menos, quando reduziram a credencial de imprensa para o limite de 30 ingressos e eu percebi que não precisava ver mais do que isso.

De fato, essa percepção se deu quando o número de dias que se encerravam sem eu ter visto um filme que prestasse foi se tornando cada vez maior, e o número de apostas no escuro que se tornavam escolhas acertadas se aproximava cada vez mais de zero.

Mais tarde, as indicações de amigos e outros críticos e os premiados em festivais internacionais começaram a me parecer piores também. Isso quando filmes adorados em mostras passadas não se revelavam fiascos nas revisões.

Ainda assim, há uma relação sentimental forte com a Mostra, e a cada edição é grande a curiosidade de conferir algumas coisas. Nesta, até que vi bastante, perto das edições anteriores. Foram 24 filmes, entre cabines, links e sessões regulares.

Privilegiei os filmes portugueses, mas não pude ver todos. Technoboss, por exemplo, ficou longe do meu alcance. Queria confirmar se os relatos que ouvi (de que o filme é ruim) estavam certos ou se minha noção de autorismo está afiada (João Nicolau editou um belo livro sobre João César Monteiro, mas em matéria de filmes…).

Aqui arrisco uma lista dos 24 filmes que vi nesta edição (não conta o que eu já tinha visto antes). Está em ordem, do melhor ao pior. As cotações seguem o padrão da Folha de S.Paulo (de 1 a 5 estrelas), já que foi nesse veículo que fiz a cobertura, aqui continuada em forma de balanço. Essas cotações tendem a ser mais boazinhas que as da Revista Interlúdio.

O Paraíso Deve Ser Aqui (Elia Suleiman, 2019) * * * * *

Nazaré ou o cosmopolitismo euro/americano? Suleiman faz seu melhor filme demonstrando uma capacidade ainda maior de observar o que se passa à sua volta.

Bobo da Corte (Luiz Rosenberg Filho, 2019) * * * * *

O bobo põe-se a dormir. O cinema intenso, apaixonado e político de Rosemberg fará muita falta neste Brasil doente.

Amazing Grace (Alan  / Sydney Pollack, 2019-1972) * * * *

Síncopes musicais e espirituais. Um disco fora de série tem seu registro finalmente recuperado. Glória à tecnologia, que por vezes é vilã, mas aqui foi uma benção.

Campo (Tiago Hespanha, 2019) * * * *

Filme esquizofrênico e por vezes derivativo, com momentos muito belos de estranheza existencial. Wolfram + As Quatro Voltas + Os Campos Voltarão na mistura. Ensaístico e interessantemente referencial. Não vi o filme do Marcelo Pedroso sobre os militares. Sei que passou em Brasília e foi bem atacado. Não sei se ele está na mesma chave de Campo, mas se estiver, fico ainda mais interessado.

Parasita (Bong Joon-Ho, 2019) * * * *

O inusitado segura algumas soluções pouco felizes da trama. O talento do diretor também ajuda.

Papicha (Mounia Meddour, 2019) * * * *

Adoráveis adolescentes no terreno dos homens maus. Mas note-se que a protagonista e suas melhores amigas gostam da Argélia (e até mesmo de algumas cantadas machistas), e desejam tomá-la de volta, quando possível.

O Fantasma de Peter Sellers (Peter Medak, 2019) * * *

Opções delicadas, justificáveis pelo acerto de contas com um filme cheio de traumas.

Breve Miragem de Sol (Eryk Rocha, 2019) * * *

Esse tipo de câmera já quase se esgota, mas Rocha ainda extrai dela bastante coisa, principalmente quando extrapola nos movimentos, criando pequenas abstrações (e se distanciando do novo academicismo da câmera-personagem).

Pertencer (Burak Çevik, 2019) * * *

Dois filmes em um: o surpreendentemente bom e o convencionalmente razoável.

Hálito Azul (Rodrigo Areias, 2018) * * *

Areias, dos terríveis Tebas e Ornamento e Crime, se vira melhor no documentário…

Sem Seu Sangue (Alice Furtado, 2019) * * *

Interessante desafio ao espectador acostumado com didatismo. A cena da abstração na viagem de moto é um achado visual muito potente.

O Projecionista (Abel Ferrara, 2019) * * *

Irregular como os últimos de Ferrara, mas vale pelo retrato de uma cinefilia.

System Crasher (Nora Fingscheidt, 2019) * * *

Forte em alguns momentos, tolo em outros (como o final). Confesso que ainda não sei se merece mesmo a terceira estrela. Mas duas estrelas me pareceu injusto.

Surdina (Rodrigo Areias, 2019) * *

… Mas melhorou na ficção também, embora se mostre, aqui, mais convencional (um passo para trás como estratégia para controlar a afetação?). E este, em contrapartida, mereceria, talvez, meia estrela a mais.

Viveiro (Pedro Filipe Marques, 2019) * *

Não especialmente ruim, mas sem grandes atrativos, apesar de um ou outro plano mais rebuscado e do tema (cuidados com um campo de futebol onde jogam crianças) de certo modo original, dentro de um registro observacional que parece se satisfazer consigo mesmo, numa espécie de auto-anulação. Ou seja, a direção passa uma impressão de invenção da roda, quando é trivial na maior parte do tempo.

Lost Holiday (Michael & Thomas Matthews, 2019) * *

Um tanto tolo no geral, mas com seus momentos engraçados.

Family Romance, LLC (Werner Herzog, 2019) * *

Um Herzog com concessões em excesso a uma banalização da câmera documental na ficção. É um novo tipo de academicismo que se estabelece há anos no cinema internacional.

Synonymes (Nadav Lapid, 2019) * *

Lapid tem certa habilidade no acúmulo de planos e cenas, mas é difícil gostar de um filme com um protagonista tão idiota. Em toada semelhante à de Patrick, que por sua vez vai mais longe, e se afunda mais também.

Alva (Ico Costa, 2019) * *

Em cenário rural português, uma mistura de Por Que Deu a Louca no Senhor R?, o pior Fassbinder, com Crime e Castigo, obra-prima de Dostoievski. Infelizmente tem muito mais do primeiro.

Pacificado (Paxton Winters, 2019) * *

Olhar mais atencioso a uma vivência em comunidade, fruto da experiência do diretor, mas em uma trama convencional.

O Filme do Bruno Aleixo (João Moreira, Pedro Santo, 2019) * *

No YouTube é legal, em longa fica bem irregular.

Tristeza e Alegria na Vida das Girafas (Tiago Guedes, 2019) *

Calvin & Haroldo é uma óbvia inspiração. Mas o filme, além de mal filmado, é muito mais infantil – nível Amelie Poulain de poesia fácil – que a protagonista de dez anos.

Koko-Di Koko-Da (Johannes Nyholm, 2019) *

Ideia não muito original, mas promissora, é destruída logo no início porque o filme não existiria se as vítimas fossem menos imbecis.

Patrick (Gonçalo Waddington, 2019) *

Filme esquizofrênico, personagem esquizofrênico. Podia ser bom dentro desses termos, mas é insuportável.

 

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