Olhar de Cinema 2021: Esqui

Esqui (2021), de Manque La Banca

Por Carla Oliveira

Imagens antigas de um manual educativo escrito em espanhol sobre a prática de esqui  são intercaladas com cenas rápidas de um corpo morto, um homem fabricando esquis, duas pessoas na estrada em uma moto, alguém fantasiado de um animal mítico branco brincando com uma criança. Todos esses fragmentos serão estendidos ao longo desse filme que costura diversos formatos. A introdução soa como um trailer, estranhamente narrado em alemão.

Surge, ensolarado, o alto da montanha. Turistas se divertem no centro de esqui mais importante da América Latina. Pensam estar conquistando a montanha através da prática esportiva, e se orgulham disso. Ao entardecer, voltam para seus hotéis, no centro turístico de Bariloche, onde se integram muito bem na cor local. Faz parte do passeio aprender algo sobre a história do lugar. O nome do alemão Otto Meiling, “el gringo loco”, sobressai.

Mas a intenção do cineasta Manque La Banca é falar sobre ofensas e agonias que permeiam o passado e o presente da América, e ele faz isso por meios intrincados. Quando o centro de esqui fecha suas portas ao entardecer, a câmera passa a focar os trabalhadores, pessoas que são realmente íntimas das montanhas patagônicas. À noite, alguns deles (e nós, na plateia, também) avistam um fantasma de capa negra e olhos vermelhos. Relacionam essa aparição com fenômenos estranhos, tais como acidentes com máquinas que levam colegas à morte. O Capa Negra é avistado no alto da montanha, território do horror, mas esses trabalhadores vivem em zonas bem mais baixas e empobrecidas. A vida na região ao pé da montanha passa a ser documentada. As dificuldades financeiras, a violência cotidiana, os desejos e prazeres, a proximidade com os mitos indígenas. Até que, sobre belas imagens de uma cachoeira, sobrevém um áudio de uma amiga, com uma cobrança: tendo aprendido tudo sobre a conquista pela violência dos territórios patagônicos, e visto como vivem as pessoas da classe trabalhadora, grande parte delas indígenas, como ele pode seguir fazendo esse tipo de filme de cinema contemporâneo? A falta de uma abordagem direta, com um posicionamento claro, é vista por ela como um ato de cumplicidade com o sofrimento indígena que se perpetua até hoje.

Sem aderir a um discurso explícito, Manque La Banca não se omite de posicionamentos firmes e entrega um filme ousado, com momentos próximos do absurdo, que fala sobre as pessoas que são as reais habitantes daquelas montanhas e a forma como preservam a sua dignidade e a sua cultura, através de mitos, de união e de lutas constantes.

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