Dois casais se encontram num ritual religioso. Aos poucos, esse ritual se revela sexual, uma espécie de suíngue da purificação. Purificação pelo sexo, pois bem. O sexo entre os casais é quase explícito. O valor das cenas está mais na ideia de que os atores parecem mesmo ter transado do que numa suposta importância narrativa, que existe, não é possível negar, mas parece existir somente pela potência provocadora do sexo quase explícito.
Nesse particular, posso estar falando de O Olho e a Faca, de Paulo Sacramento, ou de Divino Amor, de Gabriel Mascaro. Tanto faz. Cenas fortes de sexo estão presentes nesses dois longas que estrearam no mesmo dia aqui em São Paulo, mas estão também em muitos outros longas brasileiros recentes. Porém, só no de Mascaro essas cenas se enquadram no que descrevi no primeiro parágrafo. Qual é o sentido de insistir nesse naturalismo do sexo? Sinceramente, eu não sei. Mas talvez eu seja daqueles que acham que sexo e morte, no cinema, são mais fortes quando cercados de mistério, de algo que não vemos, mas intuimos que aconteceu. Quando tudo é quase explícito, e essa quase explicitude parece atingir um ponto para onde tudo no filme converge, qual é a graça?
Nos anos 1970 e início dos 1980, dentro do cinema brasileiro, ainda fazia sentido. Eram tempos de sexploitation, em que os filmes precisavam de cenas assim para atrair público. Eram concessões necessárias para que os filmes fossem produzidos, em primeiro lugar. Em Os Cafajestes, o nu frontal de Norma Bengell, muito mais ousado para aquela época do que o sexo quase explícito de Divino Amor em 2019, era necessário para mostrar a humilhação da personagem e a estupidez do macho latino americano. Hoje, quando a pornografia bate à nossa porta a todo momento, para que temperar os filmes com transas realistas?
Lo Duca dizia, em 1958, que o erotismo perde muito sem o mistério. Isso explica porque os filmes pornográficos tendem a ser menos excitantes do que os filmes eróticos. Agora me parece quase uma obrigação contemporânea colocar os atores praticamente transando em cena, mesmo que essas transas não signifiquem nada na trama. Parece até contrapartida de edital. Nessas transas não há mistério, e consequentemente não há erotismo. Pode-se argumentar que erotismo não é o objetivo, no que concordo prontamente. Então as cenas de sexo se esvaziam de vez, tornando-se apenas mais um índice de contemporaneidade, como smartphones e notebooks, com a diferença que elas provavelmente não ficarão datadas como os aparelhos tecnológicos.
Para ser justo, volto a repetir, em Divino Amor as transas até têm sua função, ao contrário da cena de sexo de O Olho e a Faca. Mas são tantas e tão estilizadas que se tornam mais do que caricaturais, como parece ser a intenção do filme de Mascaro. Tornam-se patéticas.
Não se trata de puritanismo, para terminar respondendo àqueles que já estavam me enquadrando disso ou daquilo. Acho Change pas de Main, de Paul Vecchiali, um belíssimo filme, e está recheado de cenas de sexo explícito de fato. XXX. Gosto muito também de Oh, Rebuceteio!, também cheio de cenas explícitas e closes em genitais. Para não falar da Trilogia da Vida, de Pasolini, que investe no limite para o explícito. É só que esse sexo todo me parece meio postiço nos filmes brasileiros recentes, meio forçado para ser contemporâneo, desenbaraçado, anti-Damares.