The Souvenir

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The Souvenir, de Joanna Hogg, está longe de ser um novo Toni Erdmann. Isto é, não se trata de um filme medíocre alçado aos céus por algum tipo de compensação. Confesso que temia por algo do tipo. Por mais que eu me interesse por algumas coisas da revista inglesa Sight and Sound, que o colocou como o melhor filme de 2019, o gosto da revista não bate tanto com o meu, o que aumentava a desconfiança. Felizmente The Souvenir é um verdadeiro bom filme, que revela uma assinatura, uma autora interessada em ir além de suas óbvias influências do Godard oitentista para atingir uma voz pessoal, num filme recheado de boa música inglesa, de Robert Wyatt a The Fall.

Julie (Honor Swinton Byrne) se envolve com Anthony (Tom Burke), um homem nada confiável, vivido por um ator que lembra o Stacy Keach, um homem aproveitador, um desses intelectuais de boutique, dândi da era Margaret Thatcher (o filme se passa em meados dos anos 1980, época em que a própria Joanna Hogg começou a filmar). Ele não consegue deixar de usar heroína – é seu lado humano, a droga como um escape que permite sua sobrevivência. Que Julie tolere esse cara por mais de meia hora de narrativa é um mistério, mas um mistério bem crível e corriqueiro, e o filme todo é centrado nessa relação em que tudo é incerto, nada é estável, e parece que é justamente essa instabilidade que atrai Julie, ela própria uma estudante de cinema prestes a fazer seu primeiro longa, e vive pedindo empréstimos para a mãe.

Os momentos em que Julie trabalha, e Joanna Hogg a captura por meio de vidros distorcidos ou recortes dos cômodos, são os mais interessantes, enquanto os momentos em que as conversas falam de modismos ou obviedades da história do cinema (nouvelle vague, a cena do chuveiro de Psicose) ficam no limite do tolo, mas funcionam como um retrato dos jovens descolados da época, amantes de cinema descobrindo o beabá. Nesses momentos o filme se afasta bastante do Godard de um Soft and Hard para se tornar uma representação mais aproximada e interessada na juventude.

Mas há ainda as partes experimentais, as cores pasteis, que combinam tanto com a atmosfera britânica, os recortes de enquadramento (por vezes, um personagem participa da cena quase que totalmente cortado pelo enquadramento). E não podemos esquecer das descidas ao inferno, breves, pontuais, em que Anthony se afunda no vício e se torna mais humano, menos caricatural e blasé. A dor nos parece genuína porque Julie a sente como uma série de punhaladas. Sua vida está fora dos eixos, mas nada comparado à de Anthony. Nessa relação, ela faz o papel de cuidadora, não como uma mãe, mas como alguém que percebe estar muito acima do outro, apesar de esse outro ter a fleuma de uma enganosa superioridade.

Por fim, resta destacar o olhar diferente, entre o respeitoso e o encantado, para a Londres da época. Esse olhar era mais forte em Exhibition, seu longa anterior, de 2013 (que, no entanto, é inferior), mas se faz presente também neste belo souvenir.

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