De vez em quando me rendo a modismos e tento ver o que as pessoas comentam nas redes sociais. É um modo de me manter atualizado e poder falar da decadência do cinema, principalmente o hollywoodiano, em tempos de capitalismo neoliberal sem escrúpulos, tendo visto ao menos alguns filmes (na impossibilidade que todos temos de ver 5% do que é feito em cinema). Mas aí, podem argumentar, estou limitado ao que estão comentando, dentro do contemporâneo. Em termos. Primeiro porque é uma maneira de perceber também a decadência do público. Segundo porque vez ou outra encaro, conforme o tempo permite, alguma obra atual de que ninguém fala, justa ou injustamente.
Pois Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, de Zack Snyder, comprova que um diretor com estreia promissora (Dawn of the Dead) pode, antes mesmo de se provar, decair tanto que já não se pode esperar mais nada dele. 300 até me enganou na época, caindo pouco tempo depois, não só na memória como também numa envergonhada revisão. Aí vem Watchmen, Sucker Punch, Liga da Justiça, escadinhas para o subsolo estético, onde se mantém com este novo filme.
A trilha sonora resume o que é Army of the Dead: um punhado de canções de rock clássico atenuadas em versões pop ou lounge. Doors, Creedence Clearwater Revival, Elvis Presley, profanados de uma maneira tão aviltante que sugere que a indústria fonográfica se transformou num exército de zumbis alimentando-se dos cérebros de ouvintes. O rock que servia para ser consumido nos anos 60 já não serve para hoje. Precisa ser repaginado, uniformizado, ter retirado dele tudo que representa sua alma. Até mesmo a melhor música dos Cranberries, “Zombie”, está numa versão atenuada, acústica. O mercado da música hoje é dominado por robôs, algoritmos do spotify, publicitários de sapatênis que nas horas vagas curtem ver filmes de zumbi em que jorra o mesmo sangue aguado dos videogames nos quais os pré-adolescentes se viciam. Army of the Dead é o cinema feito sob medida para esses pré-adolescentes.
Podia ser tudo isso e ainda assim ter algo a se destacar, esteticamente falando. Afinal, o filme ameaça despertar algum interesse quando surge a especialista que mostra Las Vegas não como um presídio de zumbis, mas como o reino deles, e que há os zumbis espertos e rápidos, e estes, após um sacrifício humano, tornam-se mais tolerantes e permitem a entrada em seu reino. Mas entre cortes impensados e planos de um nível colegial, salvam-se uma ou outra sequência pelo conceito, mais que pela realização, como a dos testes de armadilhas perto do cofre com os zumbis ou a já citada personagem da especialista, que poderia ser o equivalente à furiosa do Mad Max: Estrada da Fúria se estivesse em um filme melhor. Esses momentos não compensam tudo que o filme tem de ruim, ou abaixo da crítica (a câmera lenta ridícula que segue a abertura do cofre, por exemplo, ou a maior parte das cenas de ação, decupadas de modo indigente).
Portanto, o problema não está no roteiro, ao menos não especialmente nele. Esse é o atalho preferido dos conteudistas, que raramente percebem além da superfície, da história que está sendo narrada, mas também dos arautos dos temas sérios, que jamais embarcariam numa simples história de zumbis em que a noção de alegoria está praticamente ausente (é posível, forçando um pouco a barra, pensar numa alegoria do apocalipse capitalista, baseado na escolha de Las Vegas, e de um antigo cassino, como cenário de boa parte da ação; mas, novamente, seria uma alegoria um tanto ingênua pelo modo como se apresenta). Não que o roteiro seja ao menos digno. Não é. Tem clichês em número muito maior que o de soluções interessantes para a trama. Mas é comum roteiros medíocres se tornarem bons filmes em mãos mais hábeis. O problema está mesmo na direção de Snyder, que parece incapaz de criar um plano decente sequer, e parece entender que no mercado cinematográfico de hoje não é necessário ter algum senso estético.