Oito Horas Não São Um Dia

Fassbinder dizia que pensava em sua obra como uma casa. Uns filmes seriam as portas, outros as janelas, Berlim Alexanderplatz seria a planta (ou o teto, dependendo do ponto de vista), e por aí vai. Fiquei pensando que talvez a estrutura de toda a construção seja a minissérie Oito Horas Não São Um Dia, que transpõe para a Alemanha Ocidental dos anos 1970 a radiografia que Douglas Sirk fazia da América doente nos anos 1950. No lugar dos subúrbios americanos felizes apenas na superfície, a classe operária alemã luta contra as injustiças cometidas pelos patrões. A classe operária vai ao paraíso? Não, ela não pode. Mas é feliz quando pode.

Há um momento belíssimo, de incrível simplicidade (e um momento fácil de passar despercebido), no início do terceiro episódio. Os amigos querem que o mais velho deles seja seu novo capataz, mas os diretores da fábrica querem alguém de fora, pois as experiências em outras unidades se comprovaram bem sucedidas. Eles percebem um anúncio de jornal procurando um novo capataz no mesmo dia em que informam ao gerente que o candidato vai fazer o exame para ser avaliado, o que poderia lhe dar alguma vantagem na disputa. Resolvem avisá-lo, levando o pedaço de jornal. Ele se mostra confiante ao saber que se desistirem de lhe dar uma chance seus amigos farão algum tipo de represália, provavelmente uma greve. Mas quando eles saem, sua feição denota preocupação e frustração. É de outra ordem a sequência em que a vovó espoleta, com a ajuda de seu calado companheiro, resolve invadir um imóvel vago da prefeitura para montar uma brinquedoteca, onde as crianças podem brincar à vontade. O espaço é pequeno se comparado à rua, mas ali eles estariam mais seguros. De algum modo, o experimento dá certo, mas não com as autoridades. Essa sequência é das que encantam o espectador pela simpatia dos dois idosos e pela singeleza com que Fassbinder filma as cenas. É esse o tom do filme: pequenos dramas familiares que por vezes incluem um descarrilhamento de atitudes.

Fassbinder transpõe, também, o estilo melodramático em technicolor de filmes como Tudo que o Céu Permite e Palavras ao Vento para o maneirismo de sua câmera móvel e do zoom. Há uma tendência de se enxergar esse maneirismo de Fassbinder como uma firula, algo desnecessário que ele coloca para enfeitar (os que assim pensam o confundem com um desses diretores atuais que acreditam ser os mestres do estilo). Na verdade, a câmera de Fassbinder revela pelo movimento. E quando não revela, comenta a ação, como no maravilhoso travelling circular que termina concluindo um laço em Martha, ou naquela cena absurdamente fantástica da freira lendo a carta dos pais de Elvin/Elvira em Num Ano Com Treze Luas, obra-prima absoluta do diretor. Oito Horas Não São um Dia não tem a gravidade, nem mesmo a genialidade, dos dois filmes acima ou de Berlin Alexanderplatz. Seu compasso é mais discreto, mas suas observações da vida na sociedade alemã da época serão sempre pertinentes.

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