Portugal dominou o cinema da década 2010-2019. Indiretamente, com o filme português do chileno Raul Ruiz (em 4º), e diretamente, com dois filmes de Manoel de Oliveira (7º e 12º), dois de Rita Azevedo Gomes (em 1º e em 20º), um do casal Torgal e Pimenta (em 3º), e um de Pedro Costa (um só porque não consegui ver Vitalina Varela).
Não foi algo pensado. Simplesmente peguei meu arquivo de notas e fui colocando os que tinham as notas maiores, para depois ordená-los. Só quando postei uma prévia da lista no Facebook é que percebi o grande número de filmes portugueses. Todos, exceto um, foram vistos antes de eu começar meu doutorado sobre o cinema português.
Foi uma década cinematográficamente menos interessante que a anterior, na qual Rohmer entraria com os três longas que fez, e caso concorressem com os filmes desta década entrariam também. No entanto, dois anos se destacam: 2010 e 2019.
Richard Jewell e O Traidor (se estrear mesmo em 2020), serão computados apenas na lista do ano em que estrearam no circuito brasileiro, ou seja, na lista que farei em janeiro de 2021. Mas na lista da década essa regra não existe. Para ela, uso a data de estreia mundial.
Rita Azevedo Gomes, Manoel de Oliveira e Clint Eastwood confirmam-se como os maiores da década, cada um com dois filmes na lista. Clint quase emplaca um terceiro (Sniper Americano), Gray quase entra com um segundo (Ad Astra), Godard também (Imagem e Palavra). Tarantino, Kiyoshi Kurosawa, Suleiman, Vecchiali, Bressane e Guiraudie também ficaram próximos. Estariam num top 30.
Por fim, entendo perfeitamente quem defende que a década de 2010 começou de fato em 2011, e por isso terminaria no final de 2020. Sim, entendo, mas não sigo essa ideia. Na mente e no coração das pessoas, a década já terminou. E os anos 2020 já começaram. Podemos gastar energia com coisas que são corretas, mas não com algo que não faz grande diferença em nossas vidas.
Cartas na mesa, veremos com quantas canastras terminaremos.
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- A Vingança de uma Mulher (Rita Azevedo Gomes, 2012)
Filme sem igual que confirmou, em 2012, Rita Azevedo Gomes como uma das maiores autoras do cinema contemporâneo. Um jogo não panfletário com as instâncias da representação e a posição da mulher na sociedade, de outros tempos e de hoje.
– texto: http://www.revistainterludio.com.br/?p=9657
- Era Uma Vez em Nova York (James Gray, 2013)
Cada vez mais este se confirmou como o melhor filme de Gray para mim. Já disse alhures que gosto do título brasileiro. O ideal seria só Imigrante, sem o artigo, mas pelo menos não estragaram a indefinição que o artigo do original (“the”) traz.
- Wolfram – A Saliva do Lobo (Joana Torgal e Rodolfo Pimenta, 2010)
Um dos ensaios fílmicos mais brilhantes que pude ver, com a abstração invadindo a observação e enriquecendo-a pela poesia. Filme para mostrar em aula de cinema, o que tenho feito com certa frequência.
- Mistérios de Lisboa (Raul Ruiz, 2010)
Ruiz se conecta com o melhor de seu trabalho maneirista (As Três Coroas do Marinheiro) e dialoga com a escola portuguesa como se a ela desde sempre pertencesse.
– texto: http://www.revistainterludio.com.br/?p=7016
- O Cavalo de Turim (Bela Tarr, 2011)
Filme denso, apocaliptico e tristemente belo que está no ápice da obra de Tarr, junto de Satantango.
- Já Visto Jamais Visto (Andrea Tonacci, 2014)
Memória e investigação no maior filme que o cinema brasileiro nos deu em toda a década.
– texto: http://www.revistainterludio.com.br/?p=9117
- O Estranho Caso de Angélica (Manoel de Oliveira, 2010)
Com 101 anos, Manoel de Oliveira filma esta pequena jóia que permanecia em seu coração desde a década de 1950.
- Além da Vida (Clint Eastwood, 2010)
Um tanto tortuoso em seu desenvolvimento narrativo, mas nem por isso um filme menos belo. Raras vezes a junção de três diferentes histórias deu tão certo.
- Cavalo Dinheiro (Pedro Costa, 2014)
Ventura está de volta. E também as agruras dos que vivem à margem. Cabo Verde não é Portugal. O hospital não é um hotel e o soldado no elevador não é uma estátua. Dizia-se um filme sobre a Revolução dos Cravos.
- Vocês Ainda Não Viram Nada (Alain Resnais, 2012)
Como Rohmer, Resnais também encerrou sua carreira com grandes longas terminais. Este é o maior deles, e o mais terminal, apesar de ser o penúltimo.
– texto: http://www.revistainterludio.com.br/?p=5580
- La Sapienza (Eugène Green, 2014)
Foi uma década incerta para Eugène Green, um período da abertura de novos caminhos. Este, no entanto, tem a estatura de seus grandes trabalhos.
- O Gebo e a Sombra (Manoel de Oliveira, 2012)
No último longa de Oliveira, Michael Lonsdale e Claudia Cardinale se juntam a Leonor Silveira, sua atriz desde Os Canibais (1988). Um pequeno filme grandioso, ao qual não ficamos imunes.
- Cães Errantes (Tsai Ming Liang, 2013)
O digital caiu bem para Tsai, que aqui consegue elaborar um plano estático de 13 minutos plenamente justificáveis. Um assombro.
- O Caso Richard Jewell (Clint Eastwood, 2019)
Este não é nada tortuoso, e é quase tão belo quanto Além da Vida. É uma aula de desenvolvimento narrativo e de investigação a respeito de uma sociedade que nos torna heróis ou vilões com muita rapidez.
- Amanda (Mikhael Hers, 2018)
Não é fácil filmar com crianças. Ao mesmo tempo, a presença delas pode parecer um tipo de chantagem (gostamos mais do filme ou da criança?). Aqui, tudo converge para uma partida de tênis em que a reação de um jogador metaforiza a superação de um trauma. É brilhante.
– texto: https://sergioalpendre.com/2019/07/14/amanda/
- Filme Socialismo (Jean-Luc Godard, 2010)
Godard, um farol da modernidade, entra na década com um filme desconcertante e poderosamente político.
- O Traidor (Marco Bellocchio, 2019)
Bellocchio tem o dom de nos apresentar um tema de um modo inventivo e cativante. A sequência do julgamento em Roma está entre os grandes momentos do cinema na década.
- Three (Johnnie To, 2016)
Johnnie To em sua melhor forma num tiroteio em hospital que continua e ultrapassa a doideira que John Woo fez em The Killer. É um desaforado esse diretor.
- As Quatro Voltas (Michelangelo Frammartino, 2010)
Um cachorro, uma pedra e um rebanho. A observação e a graça se fazem com poucos elementos da vida simples do interior italiano.
- A Portuguesa (Rita Azevedo Gomes, 2019)
A poética de Rita se desenvolve aos poucos, enriquecida por uma segurança no ato de filmar e por um olhar para as coisas que fogem do óbvio.