Ao ver um filme, podemos sentir dois tipos de emoção. O primeiro é aquele originado por alguma artimanha da narrativa, normalmente um movimento catártico na direção da reordenação das coisas ou de alguma descoberta importante por algum personagem. O segundo tipo de emoção é mais profundo, e por isso mais forte e duradouro. Vem do nosso sentimento de que algo foi mostrado da (e com a) melhor forma possível. Quando esses dois tipos se juntam, como em Aurora (F.W. Murnau, 1927), Peregrinação (John Ford, 1933), Stella Dallas (King Vidor, 1937), Tarde Demais para Esquecer (Leo McCarey, 1957), Quando o Amor é Cruel (Luigi Comencini, 1967) e alguns outros filmes, experimentamos um êxtase estético que não esquecemos.
Não cometerei a demagogia de colocar Amanda, de Mikhael Herz, ao lado desses filmes. Como sempre me diz um amigo português, as pessoas gostam de pensar que vivem no melhor dos tempos em algum aspecto, e o cinema de hoje, a meu ver, está longe de ser o melhor de todos os tempos. Mas é fato que a junção desses dois tipos de emoções se dá nesse filme que nos surpreende cada vez mais a cada minuto. Herz conseguiu o mais difícil. Seu filme, certamente um dos melhores lançamentos do ano no Brasil, dispensa efeitos mirabolantes de câmera, truques de roteiro que chamem a atenção para a inteligência na criação ou aqueles momentos fofinhos de quase todos os filmes com crianças.
Quando Sandrine (Ophélia Kolb) se torna uma das vítimas fatais de um atentado terrorista, seu irmão David (Vincent Lacoste) se incumbe da missão de cuidar da sobrinha Amanda (Isaure Multrier) até ela fazer 18 anos. Nessa transferência de responsabilidade da mãe para o tio há incertezas, medos e desajeitos, tanto para ele quanto para a criança, então com apenas 7 anos. Mas o diretor cuida para que o entendimento entre eles seja mostrado de uma forma sutil e gradual, com elipses muito bem inseridas e um tom cotidiano favorecido pelo naturalismo invejável alcançado nas interpretações.
Pode-se reclamar da montagem excessivamente recortada no início e do romance um tanto mal ajeitado na trama, entre David e a interiorana Lena (Stacy Martin). Mas é inegável a qualidade de um roteiro que prescinde de engenhosidade forçada para impressionar neófitos, mas recorre habilmente a alguns ganchos, como o da expressão “Elvis has left the building”, responsável pelo mais belo momento de todo o filme, em Wimbledon, quando finalmente fica clara a ode à vida. Vida que continua, sempre. Amanda se identifica de algum modo com um dos tenistas (não há francês na quadra, como nos mostra o placar), começa a torcer por ele, mas ele perde alguns pontos em sequência, abrindo caminho para a analogia com a frase sobre Elvis, no sentido que a mãe havia explicado no início: “agora já era”.
Mas o filme não seria a mesma coisa sem a interpretação sobrenatural de Multrier, atriz-mirim capaz de nos levar da singeleza à aflição e à melancolia. Ela, e seu entrosamento com Lacoste (ator que nunca esteve tão bem como aqui), mais a justeza de tom conseguida por Herz (algo muito raro no cinema em todos os tempos, quase um Rohmer nesse sentido), são os responsáveis pela beleza de Amanda.