Edna

Eryk Rocha sempre me pareceu um realizador trabalhando sob o peso de uma necessidade autoral. É como se a filiação impusesse já uma marca de estilo muito forte, seja qual for o registro tomado, se o documentário ensaístico de Pachamama e Transeunte ou o drama social de Breve Miragem do Sol.

Edna, visto em abril no Festival É Tudo Verdade, está para o primeiro grupo, e, dentro dele, mais para Transeunte. Há nele esse desejo de comprovar uma autoria, que jamais dá errado por completo, mas que por vezes aprisiona um pouco os intentos artísticos. Curiosamente, o filme mais solto de Eryk Rocha é A Rocha que Voa. Digo que é curioso porque é um primeiro filme que parece ir contra a ideia de autoria necessária pela filiação glauberiana, o peso de ser filho do maior cineasta brasileiro. Normalmente é no primeiro filme que esse peso atrapalha mais, mas com Eryk aconteceu em Intervalo Clandestino, o passo em falso em sua carreira. A soltura voltaria em doses maiores em Jards, meio que um show de apresentação de um disco de Jards Macalé, que dá num longa todo livre (ainda que se perceba o controle para que a liberdade sobressaia, por paradoxal que isto possa parecer) e impelido pela música sem amarras do grande compositor.

O preto e branco de Edna é quase tão angustiante quanto o de Transeunte, e parece nos levar a um entendimento do filme pela via da solidão de beira de estrada, dos caminhões e das bicicletas que desafiam o vazio, de um lugar que parece suspenso entre o campo e a cidade, entre dois outros lugares ou entre o céu e a terra. Um filme todo sussurrado, por vezes desfocado, ora rigoroso nos enquadramentos, ora optando pela câmera persecutória na mão. Um filme que nos mostra a caligrafia de Edna e sua ligação com a Guerrilha do Araguaia, com o rio que ela atravessa de vez em quando para alcançar a cidade e que traz lembranças de amigos do passado, camponeses, que, como ela, lutaram por suas terras e foram assassinados ou torturados. Nisso, é mais um filme atual que remete à ditadura militar brasileira e seus crimes contra a humanidade.

Nos momentos em que cai na ideia fácil de seguir a personagem em seus feitos rotineiros, Edna torna-se um filme contemporâneo como muitos outros. Quando se assume como um ensaio sobre a memória e a solidão, o filme cresce. E a cor que surge nos vinte minutos finais ajuda a imprimir esse outro tom ao filme, porque precisava provocar o embate com o preto e branco super contrastado de antes para que o efeito fosse mais forte.

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