A revisão de um filme de Vincente Minnelli é sempre prazerosa. Minnelli movimenta a câmera com a perfeição de um Ophuls e ainda nos lembra de que o cinema pode ser adulto, ter diálogos fortes e personagens complexos e, acima de tudo, confiar na observação do espectador. Este poderá ver, por exemplo, como se apresenta a personagem de Lauren Bacall, Meg, na primeira metade do filme. É uma personagem que observa, sem que Minnelli precise aproximar a câmera de seu rosto ou cortar para um plano mais fechado com ela para percebermos essa observação. Ela também flerta, pois percebe que há algo muito sério a separar o casal Richard Widmark e Gloria Grahame. Mas não quer ser o pivô da separação e, ao mesmo tempo, não quer ser a outra. Num limbo entre a destruidora de um casamento e a mulher que deseja, ela sofre, como todo mundo sofre nesse filme de sofrimentos e traumas.
Tenho meus momentos preferidos, mas imagino que outros espectadores tenham seus momentos diferentes e que sejam todos muito fortes. Me arrepio com o plano em que Widmark abre a porta do quarto de Grahame, sem saber que ela está bem acordada, e fecha em seguida. A câmera está na penumbra, com Grahame na frente e Widmark ao fundo, meio desfocado. Grahame forma uma linha horizontal na metade de baixo do quadro, enquanto a metade de cima é cortada na vertical da porta e de Widmark, que a observa sem chegar a entrar no quarto. O olhar de Grahame nos diz muitas coisas, do desejo de ser vista pelo marido ao medo de sofrer nova decepção. Me emociono bastante com a troca de olhares entre os personagens de Lilian Gish e Charles Boyer na reunião do conselho da clínica de pacientes mentais, sem que essa troca seja mastigada demais por Minnelli. Há um segredo ali. Gish permite que o segredo seja mantido e Boyer se demita com alguma honra. Será mesmo demitido, o conselho irá aceitar? Provavelmente sim, e provavelmente isso salvará o emprego de Widmark, que continuará dirigindo a clínica. E o filho de Widmark e Grahame, escondido por trás da porta basculante da cozinha e dono da fala que redime tudo (“posso ajudar?”), respondida de maneira contundente e bela (“Já ajuda”). O menino sorri e o sorriso ilumina o caminho para a reconciliação de tudo. Que coisa emocionante e bela. Eis um segredo que se foi.