No último dia de competição, dois curtas estranhos e um longa sensível e escrachado provocaram um bocadinho a plateia de Gostoso.
O primeiro curta é de Cordisburgo, MG. Chama-se Teoria Sobre um Planeta Estranho, é dirigido por Marco Antonio Pereira como uma viagem para 1967 sob a influência de LSD. O curta é alucinada e desavergonhadamente psicodélico, cheio de altos e baixos que o tornam mais interessante que a média do curta metragem no Brasil. O encontro com Deus, numa espécie de bazar de quinquilharias, é das coisas mais bizarras que vi no cinema recente.
O segundo curta é do Rio Grande do Norte e tem um belo nome: Ainda que eu Ande pelo Vale da Sombra da Morte. É dirigido por Helio Ronyvon de maneira insegura, apesar de mostrar, aqui e ali, algo do olhar promissor observado nos outros curtas potiguares. Tem a vantagem de durar apenas 10 minutos, e com isso não corre o risco de ficar à deriva.
Finalmente, encerrando a competição, surge o melhor longa: Inferninho, da dupla Guto Parente e Pedro Diógenes. É como um Doce Amianto mais palatável, com suas inúmeras referências da cultura pop e do cinema. Não foram poucos os que se lembraram de Fassbinder, mas acho que dá para chamar Jodorowski para o jogo também. O longa mostra personagens à margem, que se encontram no inferninho de Deusimar para curtir uma melancolia coletiva, regada por uma música monótona e engraçada ao mesmo tempo, com uma cantora em câmera lenta e um tecladista mais cool que o baterista dos Rolling Stones.
Seu grande trunfo é o humor, além, claro, da falta de dinheiro que se transforma em criatividade. Em certo momento, Deusimar surta e manda todos embora dali. O personagem que se veste como uma Mulher Maravilha bigoduda, antes de se retirar, simula a giradinha que sua personagem fazia na série de TV, com o corte no momento certo para que o humor se fortaleça. Alguns frames a menos, não perceberíamos. Um segundo a mais, ficaria esgarçado. O dom do tempo certo é algo raro em cinema, e os meninos da Alumbramento mostram esse dom em alguns momentos de Inferninho.
Quando Deusimar vende o bar e resolve seguir os seus sonhos, vemos uma série de imagens projetadas numa tela ao fundo que emulam suas viagens ao redor do mundo. É um dos momentos mais sensíveis do filme. Depois disso, entramos numa outra dimensão e começamos tudo de novo, como um Três Bêbados Ressuscitados, de Nagisa Oshima, mas com personagens em situações invertidas. Deusimar demora para entender o efeito da mágica, mas quando cai em si, propicia um final belo e poético, que leva o filme, que já estava deveras interessante, para cima.
Inferninho e Ilha foram os dois melhores filmes vistos em Gostoso. Ambos são nordestinos e começam com a letra “i”. Ceará e Bahia mostram-se polos de uma renovação mais do que bem-vinda do cinema brasileiro.