Tido comumente, e por ele mesmo, como um relativo fracasso, o mais fraco de seus filmes americanos ou até mesmo o mais fraco de sua carreira (o que certamente não é), Topázio tem um desencadeamento irregular, um tanto fora de controle para um diretor como Hitchcock, mas alguns momentos de antologia o salvam da trivialidade.
Comecemos pelo início: aquele plano geral da praça e o letreiro que informa que entre aquela multidão há um oficial descontente com os métodos de sua nação, a União Soviética. Desta vez é o letreiro que faz o que sua câmera normalmente faria, indo do universal para o detalhe. Corta para a Dinamarca, onde um movimento audacioso de grua se inicia na bandeira comunista e se encerra num espelho que revela um rosto sinistro, e depois a câmera recua rapidamente, ainda na grua, para acompanhar as pessoas que saem da embaixada. Brian De Palma não era ainda um grande diretor e Hitchcock já antecipava seus planos de abertura de tremendo virtuosismo, que muitas vezes ameaçavam, por impressionarem de cara o espectador, arruinar seus filmes pela irregularidade, mas raramente o faziam. E assim como De Palma, Hitchcock é hábil o suficiente para fazer com que o descontrole não afaste totalmente o espectador, seja pelo domínio de um elenco de luxo, o maior que já esteve sob sua batuta, ou pela trama rocambolesca (embora um tanto rocambolesca demais e pouco afeita ao toque hitchcockiano), seja por momentos como esse do início, que ocorrem mais algumas vezes durante as mais de duas horas de duração, ou pelo velho truque de mostrar diálogos inteiros sem que os ouçamos, os velhos momentos de puro cinema que Hitchcock tanto gosta e que em Topázio são explorados com frequência e ousadia, ainda mais dentro de um filme que, pelo elenco e pelo tema (baseado em best seller de Leon Uris), revela-se com amplas pretensões comerciais. Tem até elementos da série 007. Mas tem também uma das maiores mortes do cinema de Hitchcock: quando o vestido de Juanita desabrocha como uma flor assim que a vítima cai no chão. A câmera do alto flagra o momento e cria uma quase abstração de rara beleza. É uma morte movida parte por vingança, parte por misericórdia, mas sobretudo uma morte por amor.
Muito da rejeição a Topázio vem da remexida na Guerra Fria justamente enquanto os protestos contra a Guerra do Vietnã dominavam a sociedade americana de tal forma inimaginável anos antes. Hitchcock sempre se declarou politicamente neutro, quase desinteressado, e apenas se afirmou como antinazista na época da Segunda Guerra Mundial. As coisas não são tão simples e Rico Parra, o cubano interpretado por John Vernon, se mostra inicialmente um guerrilheiro simpático (“não há barreiras raciais em Cuba”), embaralhando um tanto as coisas. Os críticos da época tinham muita dificuldade em separar suas questões ideológicas e se entregar a uma aventura de espionagem que, aparentemente, representava um passo mais conservador na obra de Hitchcock, algo que continuava o superior Cortina Rasgada em uma direção ainda mais comercial, mas com ambiguidades o suficiente para confundir boa parte do público.
O que mais prejudica o filme é na verdade a língua inglesa predominante, algo que Hitchcock já afirmara em entrevistas que não aprovava (e talvez por isso ele use como nunca antes a estratégia dos diálogos inaudíveis). Quando vemos cubanos ou franceses conversando entre eles em inglês sentimos que há algo errado com sua habitual procura por um certo realismo. Ele fez uma concessão que não costumava fazer, a não ser em pequenas doses. A reunião do final com os cinco franceses, incluindo atores de primeira como Michel Piccoli e Philippe Noiret, ressente-se muito desse uso padronizado do inglês quando era óbvio que todo mundo ali deveria estar falando francês. A prática é usual no cinema americano desde o início do falado até hoje, mas impressiona que seja usada sem muita resistência por Hitchcock, que à altura teria condições de impor legendas, ao menos em trechos importantes como esse. E ainda assim, toda a cena mantém certo impacto, graças ao ritmo imposto pelo diretor e à decupagem certeira e sempre difícil em uma mesa de jantar.
Topázio é um mastodonte que Hitchcock tenta domar o tempo todo, jamais sendo totalmente bem sucedido. Mas os momentos em que ele consegue imprimir seu toque estão entre os melhores que se podia ver naqueles tempos. Não era uma boa época para Hitchcock, pessoal e profissionalmente, mas ele ainda iria se recuperar em alto estilo. Frenesi viria três anos depois para mostrar que seu toque ainda estava em forma.