O cinema de Safi Faye se insere numa modernidade cinematográfica em que o olhar documental predomina sobre a narrativa ficcional. Dos três longas da realizadora, dois se apresentam como ficções: Carta Camponesa (1976) e Mossane (1996). Mas não há muita diferença entre eles e Fad’jal (1979), longa que se apresenta como documentário, justamente porque é a observação das coisas, da vida de camponeses em pequenas vilas do Senegal, que ordena a câmera de Faye. E talvez seja neste último que o cinema da realizadora se revela por completo. Após a explosão poético-observacional de Carta Camponesa, rodado em preto e branco com familiares da cineasta e dedicado ao seu avô que morreu onze dias após o término das filmagens, Fad’jal documenta a vila do mesmo nome e nos mostra os costumes religiosos, as crianças na escola, a matança do touro (uma constante em seus longas é a matança de animais para alimentação ou celebração), os relatos dos mais velhos para os mais jovens, as mulheres batendo o sal (momento de grande cinema e de grande efeito sonoro no espectador), galhos de uma árvore servindo para balançar um menino, uma porca amamentando seus filhores, os traços da colonização francesa (na escola, as crianças são alfabetizadas em francês e aprendem a História da França). Fad’jal é um tocante elogio à vida perto da natureza.
Em Carta Camponesa, o moço Ngor procura algum emprego em Dakar, a capital senegalesa. O contraste entre a urbanidade e a ruralidade fazem parte da força do filme, em que os carros entram num frenesi que parece aniquilar qualquer possibilidade de calma. A necessidade de se ganhar dinheiro para sustentar uma esposa leva o rapaz ao inferno da cidade grande, em que todos competem por espaço. Fad’jal concentra-se na vila com o mesmo nome. Assim como Mossane, temos a vida colorida do camponês senegalês, os casamentos mais ou menos arranjados, as tradições que aprisionam os mais jovens. Mossane é uma garota de 14 anos. Como ela é central na narrativa, talvez isso possa distinguir este último longa dos dois anteriores, mais centrados na observação de um grupo. Embora Ngor tenha uma importância maior em Carta Camponesa, ainda assim sente-se que é o poema de um local em contraponto a outro. Mossane então se revela como a poesia trágica de uma jovem em contraste com o mundo que a cerca. O que o filme tem de triste, tem também de belo. E como é belo o cinema de Safi Faye.
Post dedicado à maravilhosa Carla Oliveira, que me mostrou o trabalho da cineasta.