As leituras

No pequeno filme que Luc Moullet fez para seu grande amigo Jean-Luc Godard, presente como extra no DVD e no Blu-ray brasileiro de Acossado, Moullet diz que Godard nunca lê um livro inteiro. Ele apanha os livros na estante, lê um pedaço e depois o coloca de volta, tirando outro para ler outro pedaço. Assim ele faz suas conexões de pensamento, e esse estilo pode ser notado em todo o Godard pós 1988, notadamente em seu monumental Histoire(s) du Cinéma (1988-1998).

Isso foi para mim uma libertação. Longe de dizer que sou uma espécie de Godard, pois não chego nem a 1% do que ele representa para o cinema. Mas sempre me senti culpado por ler vários livros ao mesmo tempo, quase nunca os terminando (a não ser os de ficção). Em minha biblioteca de não poucos títulos de diversas áreas, os livros a que me acostumei mais a ler nos últimos dez ou quinze anos são de não-ficção. Geralmente livros sobre história do cinema, crítica ou teorias da arte e do cinema. A transição de um livro para o outro se dá com a mesma liberdade com que Godard passeia entre um e outro. Sinto que isso me fez bem, tanto para a memória, melhor hoje que há dez anos, quanto para a elaboração de um pensamento, equivocado ou não, mas um pensamento original, que não se baseia necessariamente em outros pensamentos, mas ao mesmo tempo filtra o que eles têm de próximos à minha maneira de ver o mundo, ou que possam me acrescentar coisas ou fazer estremecer algumas convicções.

Decerto essa prática não é tão boa (porque não sou Godard) para citar autores e impressionar em rodas de conversas. Acabo misturando autores e pensadores e prefiro não me arriscar. Mas impressionar em rodas de conversas nunca foi minha intenção, nem quando eu tinha idade para esse tipo de bobagem, não o será agora.

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