Neste segundo ano de pandemia, novamente a tarefa de elaborar a lista anual torna-se complicada. Isto porque prefiro limitar o escopo de filmes elegíveis a um denominador comum, seja o de estreias no cinema, ou cinema + streaming, para contemplar a nova realidade de muitas estreias. Como no ano passado adotei a lista de primeiras exibições comerciais, sigo neste ano.
Contudo, lembrar exatamente o que passou pela primeira vez em 2021 e o que eu só pude ver nesse ano nem sempre é fácil. Lembro, por exemplo, que vi Lua Vermelha na Mostra SP de 2020, logo, este filme que estreou em 2021 na Mubi torna-se inelegível. Já A Chorona, que teve exibição comercial na Mostra SP de 2019, teve também estreia comercial no circuito brasileiro em 2021. Torna-se elegível só porque eu não o tinha visto na Mostra? Ou perde a chance de entrar neste ano porque deveria ter entrado na lista de 2019? Optei por não colocar, até porque o ótimo diretor Bustamante está representado com outro belo filme.
A regra, então, é híbrida. Filmes que tiveram primeira exibição comercial em 2021 e filmes que estrearam nos cinemas (mas não no streaming), desde que eu não tenha visto em anos anteriores. É justo? Não sei. Mas é um modo de tornar a lista uma mistura de experiência pessoal com experiência coletiva. Ainda mais porque na minha lista de melhores de 2019 não entraram exibições em mostras e festivais.
Ano que vem, com as estreias no streaming sendo mais fiscalizadas pela cinefilia e os cinemas abertos graças à vacinação, provavelmente só serão elegíveis para minha lista de melhores de 2022 os filmes que tiverem exibições comerciais no país, em circuito ou streaming, durante o ano. Por enquanto, estamos ainda na exceção.
Mesmo com uma maior permissividade, a nota de corte deste ano foi ainda mais baixa que a do ano anterior, e provavelmente a mais baixa de todas as minhas listas anuais – pensando nos vinte melhores de cada ano, mesmo em anos em que a lista publicada tinha menos filmes (o vigésimo em minha cabeça seria bem superior ao vigésimo de 2021). Isso explica por que muitos filmes ausentes da lista têm níveis de qualidade semelhantes a outros que estão na lista.
1 – Capitu e o Capítulo (2020), de Júlio Bressane
Bressane, a seu modo peculiar, lê Machado de Assis e a literatura do século 19, mas pensa o cinema e a cultura brasileira dos séculos 20 e 21 no mesmo processo.
2 – Benedetta (2021), de Paul Verhoeven
O vulgar e o erudito num abraço cinematográfico típico do diretor. Seria Benedetta uma santa? Não importa. O que importa é que ela amava e sentia o prazer da carne.
3 – Crime Culposo (Careless Crime, 2020), de Shahram Mokri
Filme sobre muitas coisas, incluindo encenação e recepção aos filmes. Camadas de representações e uma tragédia sendo espiada ao fundo. Tão inteligente quanto perturbador.
4 – From Bakersfield to Mojave (2021), de James Benning
O melhor dos filmes recentes de James Benning, com um plano antológico com trens-serpentes.
5 – Cry Macho (2021), de Clint Eastwood
Filme de mestre, em tom menor, retomando motivos e inspirações.
6 – Undine (2020), de Christian Petzold
Melhor filme de Petzold junto com Yella.
7 – Um Dia com Jerusa (2020), de Viviane Ferreira
A poesia como motor do cinema. Os rios subterrâneos de São Paulo compõem belas memórias.
8 – Diários de Otsoga (2021), de Miguel Gomes e Maureen Fazendeiro
Provavelmente o melhor filme sobre pandemia. Não só: sobre fazer cinema e socializar numa pandemia.
9 – Tremores (Temblores, 2019), de Jayro Bustamante
Um dos filmes que mais cresceram em minha memória, do mesmo diretor do ótimo La Llorona (que passou na Mostra SP em 2019). Infelizmente, tem sido subestimado.
10 – A Crônica Francesa (The French Dispatch, 2021), de Wes Anderson
A história do meio é mais fraca. Benicio Del Toro arrasa na melhor história, a primeira.
11 – Eu Estava em Casa, Mas… (Ich War Zuhause, aber, 2019), de Angela Schanelec
Nunca pensei que a Escola de Berlin teria dois filmes em alguma lista anual minha.
12 – Zeros e Uns (Zeros and Ones, 2021), de Abel Ferrara
Outro filme forte de pandemia e um dos melhores recentes do diretor.
13 – Sanctorum (2019), de Joshua Gil
Gosto muito dos momentos à Herzog, em que o diretor compõe imagens bem fortes.
14 – Zimba (2021), de Joel Pizzini
Um exemplo de documentário biográfico.
15 – Sonhos de Damasco (Damascus Dreams, 2021), de Émilie Serri
Melancolia e revolta, esperança e luta (a seu modo), um belo canto à Síria que já existiu.
16 – Drive My Car (Doraibu Mai Ka, 2021), de Ryusuke Hamaguchi
Sinceramente, não vejo tudo isso no cinema de Hamaguchi. Este deve ser o melhor filme dele, mas tem problemas, como os outros.
17 – Memória (2021), de Apichatpong Weerasethakul
Do sempre endeusado Joe, um filme belo, instigante, com uma das melhores interpretações de Tilda Swinton. Mas está longe de ser genial como pintaram.
18 – No Taxi do Jack (2021), de Susana Nobre
Como trabalhar com questões profundas de forma simples.
19 – A Mão de Deus (É Stata la Mano di Dio, 2021), de Paolo Sorrentino
Enfim um filme bom desse diretor. E da Netflix, que costuma uniformizar bons diretores (mas pelo jeito melhora os maus).
20 – First Cow (2020), de Kelly Reichardt
A impressão que sempre tive é que a boa cineasta Reichardt poderia fazer um grande filme. Talvez este seja o começo do caminho.