Em 2019, uma destruição do panorama cultural brasileiro foi colocada em prática pelo governo Bolsonaro. O Sesc, instituição cultural importante no país, tornou-se um dos alvos preferidos de Paulo Guedes, o Ministro da Economia.
Nesse cenário, nada mais representativo de uma resistência do que a realização desta 3ª Mostra Sesc de Cinema, com curtas e longas de todo o Brasil, na paradisíaca Paraty, cidade histórica no estado do Rio de Janeiro.
A mostra começou no último dia 2, desafiando o calor da cidade histórica, e prosseguiu até 9 de novembro. A partir de 21 de novembro será a vez da cidade de São Paulo exibir os filmes escolhidos.
Formada por sessões das cinco regiões do país, a Panorama Brasil é a parte mais importante da Mostra, com filmes selecionados pelos sescs regionais em projeções no revitalizado Cinema da Praça, após 45 anos fechado.
Nela, filmes de estética televisiva convivem com pequenas aventuras no campo formal e até mesmo com um longa já respeitado de outros festivais, o baiano Ilha, de Glenda Nicácio e Ary Rosa.
Obviamente, a qualidade é bem variável. Por vezes, indesejavelmente variável. Mas é sempre interessante podemos ver produções do Acre, de Santa Catarina, do Paraná, do Pará ou de Mato Grosso do Sul, estados que ainda não se tornaram polos cinematográficos como Rio Grande do Sul, Ceará, Pernambuco, Bahia ou Paraíba. Dentro desse aspecto, a falta de apuro formal de alguns filmes é compreensível, já que trata-se de um processo lento de formação de público e também de formação de novos diretores e técnicos cinematográficos.
Marcando seu papel de resistência, a mostra faz homenagem a Adélia Sampaio, a primeira diretora negra a realizar um filme no Brasil. Amor Maldito (1984), aliás, é também o primeiro filme de amor lésbico realizado no país. Interessante retomá-lo em tempos de obscurantismo e Damares. Gosto do filme de Adélia, apesar de seus evidentes problemas de construção (o ritmo é um problema maior, por exemplo, na enorme sequência de tribunal). Creio ser um longa precioso de um certo momento em que filmar no Brasil já voltava a ser muito difícil (já que nunca foi fácil, mas entre 1974 e 1982 tivemos quase um oásis).
Mas a coqueluche de Paraty, com duas sessões esgotadíssimas para pessoas que aguentaram duas horas de fila, é a estreia na cidade do longa Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Paraty foi palco de um pequeno mas barulhento protesto de eleitores de Bolsonaro durante uma palestra com o jornalista Glenn Greenwald, durante a Flip, o Festival Literário de Paraty, neste ano. Nesse contexto um tanto avesso a demonstrações democráticas, Bacurau surge como uma provocação e tanto. Num mundo são, seria considerado apenas cinema, e dos bons. Um dos raros filmes brasileiros com noção de espetáculo e habilidade para a construção de uma narrativa que faça juz a esse espetáculo. Ou seja, finalmente aprendemos a copiar, numa evocação tortuosa de Paulo Emílio Salles Gomes.
No mais, a realização desta 3ª Mostra Sesc de Cinema, com seus altos e baixos, vem coroar a ideia de que a melhor forma de resistir à barbárie é por meio da cultura e da arte.