46ª Mostra SP: Restos do Vento

Em toda edição da Mostra SP é exibida ao menos uma pérola do cinema português. A deste ano, na 46ª edição, é este Restos do Vento, mais recente longa de Tiago Guedes (de A Hermada).

O filme começa como Máscaras (Noémia Delgado, 1976), logo evolui para uma atualização do Saló de Pasolini no interior português e lá pelo final do primeiro terço revela sua estrutura semelhante a de Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood. Os dados dessa semelhança podem ser alinhados da seguinte maneira:

a) ambos começam com meninos (mais crescidas no filme de Guedes, já que são adolescentes de 16 ou 17 anos aproximadamente); um deles, por ser mais ingênuo, termina sofrendo as consequências do mundo cão em que está inserido: uma surra no filme de Guedes, um rapto por pedófilos no filme de Eastwood.

b) nos dois filmes acompanhamos a vida desses mesmos meninos cerca de 30 anos depois, os traumas dos eventos passados e o ingênuo levando uma vida meio perdida, como um fantasma (em Boston e casado no filme de Eastwood, numa aldeia pequena e solitário no filme de Guedes).

c) a criança do valentão da cidade é assassinada. Um menino de 16 ou 17 anos no filme português, uma moça de 19 anos no filme americano. O principal suspeito, pelo menos para o espectador, é o adulto traumatizado; ainda que no filme de Eastwood os motivos para o crime sejam muito frágeis para uma real desconfiança, o personagem chega ensanguentado em casa na mesma noite que a filha do valentão morre.

d) nos dois casos o desfecho é trágico para o falso culpado, um desfecho motivado, em última instância, por uma figura feminina que acredita estar fazendo a coisa certa, mas desencadeou o sentimento de vingança.

e) Tiago Guedes também adere a uma dramaturgia sólida, calcada na interpretação do elenco e nas paisagens da região montanhosa portuguesa, que ecoam o Mystic River e o parque do filme de Eastwood.

Com essas semelhanças todas, é ainda assim um filme notável este Restos do Vento, dirigido com rigor nos enqudramentos e com um senso justo de ritmo, o ritmo do interior português. E que ator é Albano Jerónimo (foto). Graças a ele, Laureano se torna um dos grandes personagens do cinema contemporâneo.

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