Olhar de Cinema 2021: Estilhaços

Estilhaços (Esquirlas, 2020), de Natalia Garayalde

Por Carla Oliveira

Nos anos 1990, em Río Tercero, pequena cidade da província argentina de Córdoba, o pai da cineasta Natalia Garayalde compra uma câmera de vídeo para que a família pudesse registrar suas memórias. Cenas de Natália, criança na época, e de seus pais e irmãos em momentos íntimos e lúdicos são mostradas no início de Estilhaços, documentário que ela realizou para falar de uma tragédia.

Após imagens captadas no Réveillon de 1994, iluminadas por sonoros fogos de artifício, uma elipse e uma brutal mudança de tom. Entram cenas calamitosas: explosões de projéteis, moradores desesperados em fuga da cidade, céu encoberto por nuvens coloridas. Em novembro de 1995, um atentado na fábrica de armas militares situada a 300m da casa da família Garayalde mudou os rumos de uma comunidade. Em imagens de arquivo, vemos Menem afirmando que as explosões, que resultaram em mortes, traumas e destruições, tinham sido causadas por um acidente. Um operário da fábrica é investigado. Bem mais tarde, virá a confirmação de que as explosões foram propositais, com a intenção de se ocultar o crime de contrabando de armas.

O ponto alto do filme, no entanto, ocorre quando a catástrofe é mostrada sob o ponto de vista da cineasta criança. Ela chega a sentir entusiasmo em um primeiro momento pelo fato de as aulas terem sido suspensas e por sua cidade aparecer nos noticiários televisivos. Natalia Garayalde demonstra que sempre gostou de câmeras, narrativas, entrevistas, documentários. Ela filmou escombros, simulou ser uma repórter mostrando o descaso do governo com a reconstrução da cidade, entrevistou a diretora do colégio e deixou sua câmera se deter em um coelhinho que estava em seu jardim.  Quando soube da morte de uma pessoa conhecida, impactada, deixou as filmagens de lado.

O pai médico de Natalia, logo após as explosões, manifestou publicamente a sua preocupação com a possibilidade de contaminação química. Imagens recentes da cineasta falam da morte prematura da irmã em decorrência de um câncer, a mesma doença que irá acometer seu pai. É com cenas antigas dele e de Natalia que o filme se encerra. Há um retorno ao tempo anterior à tragédia, indestrutível nas memórias familiares. 

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