Sobre uma futura lista dos anos 2010

vinganca

Uma coisa que sempre evitei foi fazer listas antes do tempo. Se o ano termina às 23h59 de 31 de dezembro, só a partir do minuto seguinte eu solto uma lista dos melhores desse ano. Modo de falar, pois normalmente gosto de passar ainda alguns dias para ver as últimas estreias e os filmes que perdi no ano. Numa lista de década, ou, se quiserem, de um grupo de anos definidos pelos dois primeiros algarismos (sei que tecnicamente a década acaba no fim do ano que vem, mas não no espírito da maior parte dos mortais), não teria como ser diferente.

Claro, se me pedem, eu mando, numa boa. Mas não faço por conta própria. Prefiro esperar.

Só que não resisti à brincadeira de fazer já uma lista prévia com aqueles que considero os melhores filmes dos anos 2010. Os comentários a respeito da (fraca) lista dos Cahiers du Cinéma e as várias listas de diretores que circularam a partir dela, mais as diversas listas de amigos que pipocaram pelas redes sociais no mesmo dia e nos dias seguintes me fizeram começar a já aprontar a minha. E por que, nesse caso, não soltar uma prévia? Talvez até ajude, com alguma indicação, a pesquisa para outras listas. Pois o fiz, no Facebook. O resultado por enquanto é este:

01  A Vingança de uma Mulher (Rita Azevedo Gomes, 2012)
02  Era Uma Vez em Nova York (James Gray, 2013)
03  Wolfram – A Saliva do Lobo (Joana Torgal e Rodolfo Pimenta, 2010)
04  O Cavalo de Turim (Bela Tarr, 2011)
05  Mistérios de Lisboa (Raul Ruiz, 2010)
06  Já Visto Jamais Visto (Andrea Tonacci, 2014)
07  O Estranho Caso de Angélica (Manoel de Oliveira, 2010)
08  Além da Vida (Clint Eastwood, 2010)
09  Cavalo Dinheiro (Pedro Costa, 2014)
10  Amanda (Mikhael Hers, 2018)
11  O Gebo e a Sombra (Manoel de Oliveira, 2012)
12  Vocês Ainda Não Viram Nada (Alain Resnais, 2012)
13  O Fim da Viagem, o Começo de Tudo (Kiyoshi Kurosawa, 2019)
14  La Sapienza (Eugène Green, 2014)
15  Cães Errantes (Tsai Ming Liang, 2013)
16  A Portuguesa (Rita Azevedo Gomes, 2019)
17  Imagem e Palavra (Jean-Luc Godard, 2018)
18  O Estranho do Lago (Alain Guiraudie, 2013)
19  Sniper Americano (Clint Eastwood, 2014)
20  Ad Astra (James Gray, 2019)

O que pode mudar? Muitos filmes, e muitas posições. Eu diria que a segunda metade da lista, a metade de baixo, está mais fadada a sofrer mudanças. Principalmente porque não vi filmes que podem beliscar alguma posição, muitos deles surgiram na minha reta final do doutorado, entre 2018 e a primeira metade deste ano, e alguns antes. Isso não quer dizer que Sniper Americano e Ad Astra estejam mais ameaçados. Não sei exatamente quais cairão, uma vez que os filmes de 11º em diante se aproximam muito em qualidade.

O que me interessa, no entanto, não é o que pode mudar, mas o que essa lista prévia revela, para mim mesmo, a respeito do que entendo por cinema, dos meus gostos e defesas.

São sete filmes portugueses, cinco franceses, quatro americanos, um brasileiro, um chinês, um húngaro e mais um japonês.

Passei um ano em Portugal e voltei totalmente rendido à beleza do cinema português? Não necessariamente. Nenhum desses filmes foi visto durante minha estadia do outro lado do Atlântico, e só um deles foi visto depois. Além disso, apesar do doutorado, ainda me sinto mais conhecedor (embora sempre falte muito, não tem jeito) dos cinemas americano e japonês, do que do cinema português.

Para minha surpresa, deu isso. Costumo fazer listas sem a menor preocupação com ausências ou com o que irão falar dela. É meu gosto pura e simplesmente. Porque sempre achei que listas devem refletir gostos, não uma vontade de aparecer ou de ser justo com alguma causa, seja a do cinema brasileiro, seja a de filmes ideologicamente de acordo com o que penso, ou socialmente engajados. É só pelo gosto que se faz justiça em listas. Porque listas são parte de um jogo, uma brincadeira. Deve ser leve, no sentido de nunca talhada em pedra.

E o que entendi com minhas próprias escolhas é que muito do que defendo em cinema é contemplado pela tal de “escola portuguesa”, termo em que as aspas servem para que se entenda o quão plural é essa escola, para além dos enquadramentos rigorosos, da recusa ao naturalismo televisivo e do chiaroscuro. De fato, essa predileção me levou a Portugal para estudar o cinema português, e não o contrário.

É necessário ainda lembrar que a telenovela brasileira Gabriela foi um grande sucesso por lá no final dos anos 1970 e, segundo muitos, definiu os rumos estéticos de boa parte do cinema português. Contra essa estética se colocavam, à época, Manoel de Oliveira, com Amor de Perdição, e João César Monteiro, com Veredas, entre alguns outros (o cinema de António Reis e Margarida Cordeiro, de Trás-os-Montes, e o de Fernando Lopes de Uma Abelha na Chuva devem ser considerados aqui, além dos menos amados A Santa Aliança, de Eduardo Geada, e O Rico, o Camelo e o Reino, filme subestimado do subestimado, por vezes, António de Macedo).

Essa chamada (por eles) “escola portuguesa” está muito bem representada pelos sete filmes escolhidos. E o chileno Raul Ruiz muitas vezes se aproximou dela, então não surpreende que em seu último filme português tenha se aproximado novamente. E representam também muito do que eu defendo que deve ser o cinema. No mais, Rita Azevedo Gomes é responsável pelo melhor cinema contemporâneo, a meu ver, assim como Manoel de Oliveira é um dos meus cineastas preferidos de todos os tempos.

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