Elvis

Nunca espero grande coisa de um filme de Baz Luhrmann. Na verdade, não espero nem pouca coisa. Se o filme não for um desastre, já é um ganho. Se for “assistível” sem grande sacrifício, melhor ainda. Se for bom, podemos nos preparar que vai começar a chover martelos.

Foi com baixíssima expectativa, então, que comecei a ver seu mais recente longa, Elvis, sobre a lendária figura que colocou o rock no mapa e começou a mexer com a segregação racial de um modo que, à época, só um fenômeno de popularidade que fosse branco conseguiria.

Não é uma cinebiografia tradicional. Muitos anos se passam em minutos, o que é ruim, apressado e um tanto frustrante, e muitas coisas não passam de especulações. Mas não há um desrespeito com sua vida e história como aconteceu com Marilyn Monroe em Blonde. As especulações parecem bem viáveis de terem acontecido, senão do jeito que o filme mostra, ao menos de forma aproximada.

Baz Luhrmann se mostra até comportado para seus padrões, com um nível de afetação consideravelmente inferior aos de Romeu e Julieta ou O Grande Gastby, por exemplo. É quase como um filme que Martin Scorsese faria em seus dias mais acelerados, com o senão de que Scorsese se sai melhor nos momentos de pausa, que se aproximam de um classicismo ou até de um academicismo. Já Luhrmann chega perto de um registro televisivo quando cai no academicismo. E uma alternância sem escalas entre afetação, mesmo que dosada, e academicismo frouxo que dure duas horas e meia fica no limite do assistível.

Três aspectos, contudo, chamam a atenção, positivamente, em Elvis:

a) a iniciação do menino Elvis com a música negra: de um lado, o barracão, a prostituta, o bluesman; do outro, a busca por ascese, o gospel, a entrega aos chamados do Paraíso. Esses dois vetores, o mundano e o sagrado, serão fundamentais para a persona que Elvis criou em seus primeiros anos, e que incomodaram bastante a nação falsamente puritana e racista.

b) a maneira como o moço Elvis mexia com os jovens sexualmente, com movimentos corporais nunca antes visto, e a câmera capta as reações das moças na plateia anunciando um novo fenômeno, importante para impulsionar a liberação sexual que viria nos anos 1960.

c) a astúcia do vilão Coronel Tom Parker e sua capacidade de fazer com que todos comprem o que ele vende, incluindo o próprio Elvis entre as pessoas que ele manipula apaixonadamente. É uma figura extremamente controversa, demoníaca nas biografias, que o filme trata de humanizar sem atenuar o demônio que existe nele. Claro que a escalação de Tom Hanks para o papel, mesmo com uma maquiagem que o transforma em monstro, contribui para o encanto do mal que o personagem exerce.

Não sofreremos com chuva de martelos, mas no balanço é possível assistir a Elvis sem sacrifício.