Uma parte importante de minha pesquisa para o doutorado consiste em entender um pouco melhor o contexto em que João Cesar Monteiro praticou a crítica de cinema à sua maneira mordaz, antes de se tornar o diretor de filmes celebrados como Silvestre ou Recordações da Casa Amarela. Para isso, vasculhei, entre inúmeras outras publicações, cada edição que a Cinemateca tinha da revista O Tempo e o Modo, uma publicação dedicada ao universo das letras, mas que falava de política, história e outras artes (incluindo aí cinema e música). Importantes críticos escreviam nela. Entre outros, podemos encontrar João Bénard da Costa, Antonio Pedro Vasconcelos, Lauro Antonio e nosso João Cesar Monteiro, abreviado J.C.M. no quadro de cotações que ilustra este post.
Não era comum ter esse quadro. Se não me falha a memória, essa foi a única edição em que o encontrei. Mas o que me espanta é a maneira como Barba Ruiva, filme de Akira Kurosawa que considero excepcional, foi recebido pelos seis críticos que o viram na época: todos deram a cotação mínima (como na Cahiers du Cinéma, as cotações iam de 0 a 4 estrelas). Claro que é possível argumentar que eles viram mal o filme. Mas os seis, incluindo aí o Alberto Seixas Santos, outro que depois se tornou um bom diretor? São críticos e historiadores importantes, que normalmente escreviam coisas profundas, demonstrando incrível entendimento do que é cinema. Não só, sobre a vida também. Aprendi e ainda aprendo muito com todos eles.
Creio que naquela circunstância, 1966, havia um clima ainda desfavorável a Kurosawa, sobretudo se pensarmos o que os jovens turcos influenciaram os críticos portugueses da época. Esse clima deve ter influenciado o olhar, levando a esse equívoco. Desconfio até que alguns deles mudariam de opinião depois que Kurosawa foi revisto e melhor entendido no ocidente, a partir dos anos 1970 e nos anos 80, principalmente.
Nota-se que o coração dos críticos portugueses, àquela altura, pertencia à turma da Nouvelle Vague, já que as melhores notas vão para Muriel, obra-prima desconcertante de Alain Resnais, e Alphaville, um Godard nem sempre muito amado, mas obviamente muito talentoso.
No mais, é curiosa a boa recepção ao brasileiro O Menino de Engenho, de Walter Lima Jr, assim como é decepcionante ver como Vidas Secas foi mal entendido na época aqui em Portugal. E são escandalosas as duas bolas pretas para Gertrud, obra-prima de Carl Th.Dreyer. De fato, não dar quatro estrelas para esse filme já é um escândalo. E os únicos que deram a cotação máxima são os críticos portugueses que mais gosto de ler: João Bénard da Costa e João Cesar Monteiro. Este último tem como uma de suas mais brilhantes críticas justamente uma sobre o último filme de Dreyer, que considerava o mais erótico já feito.
OBS – Integrantes do quadro:
Antonio Pedro Vasconcelos, Alberto Seixas Santos, Duarte Nuno Simões, João Bénard da Costa, João Cesar Monteiro, José Maria Torre do Valle, João Paes, Nuno de Bragança.