A Cidade dos Abismos (2020) de Priscyla Bettim e Renato Coelho
Por Carla Oliveira
Na noite da véspera de Natal, quatro pessoas se encontram em um bar de São Paulo. Envoltas em sombras, solitárias, vulneráveis. São seres que circulam por lugares deteriorados, clandestinos, onde a morte chega muito mais cedo do que deveria.
Suas personas líricas, contudo, recusam-se a desaparecer. E a poesia que elas emanam encontra forma no cinema experimental de Priscyla Bettim e Renato Coelho. Em uma obra que faz referências a Limite, de Mário Peixoto, e à Rua do Triunfo, há espaço para a criação, o onírico e o ilusório.
Sonhos são imaginados ou descritos. Há deleite na sonoridade de idiomas que não conhecemos e nas composições de Arrigo Barnabé. A cidade em preto e branco aparece saturada e distorcida por luz e velocidade. Ela é o fundo de cenas nas quais os personagens, em uma frontalidade que os dignifica, declamam poesia ou cantam. Quando o corpo de um deles sangra e se desvanece no ar, sua projeção dança muito acima da cidade, um abismo infinito.
Os sobreviventes se unem em busca de justiça pela morte absurda. Encontros e imaginação são imprescindíveis para superar a sordidez da vida e da morte. Há inversão nas perseguições, e os que são usualmente acuados e excluídos iluminam a tela.