Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar
Não é a refilmagem do musical setentista e escapista de Cacá Diegues, com Nara e Chico Buarque sambando em direção à tela em meio a momentos lúdicos de cinema – é um dos poucos bons filmes de Diegues, por sinal, espécie de versão palatável de Os Herdeiros, dele próprio, ou um Garota de Ipanema (de Leon Hirszman) mais leve e popular. Este novo filme de Marcelo Gomes insere-se numa veia documental em primeira pessoa na busca pelo retrato da chamada capital do jeans, a pacata e minúscula Toritama, no agreste pernambucano, vizinha de Caruaru. Logo nas primeiras cenas uma moto chega carregando dezenas de calças jeans, que um homem corta logo a seguir, num calor dos diabos. É o cotidiano da cidade que o filme vai nos mostrar, a vida em torno da confecção e do comércio do jeans, e a ansiedade pela chegada do carnaval, quando a cidade se esvazia porque todos fazem tudo, até vender seus bens, para passar o feriado na praia.
Como uma mini cidade de cerca de 40 mil habitantes se transforma na capital nacional do jeans, tornando-se responsável por 20% de todo o jeans que circula no país, segundo um dos vendedores entrevistados? Há um interesse de saída no tema, e Marcelo Gomes conduz a investigação com certa habilidade, alternando imagens do ambiente de trabalho, o barulho incessante das máquinas de costura e algumas conversas informais com os trabalhadores. Em contraste com Joaquim, seu último longa de ficção, em que a câmera geralmente aponta para todos os lados sem muito critério, aqui a câmera é precisa, bem pensada e colocada para flagrar as situações da melhor maneira possível.
Suas impressões são explicitadas para o espectador. A angústia da repetição dos movimentos, o incômodo com o barulho das máquinas e a consequente tentativa de ludibriá-lo com música de piano, e sobretudo as lembranças que invadem o filme, na narração do próprio diretor, tornando-o mais belo. Nesses momentos mais pessoais, Gomes quase alcança a poesia de um Frederick Wiseman. Mas deve assustar o pessoal que tem reclamado da subjetivação em documentários recentes.
Há ainda um surpreendente uso das silhuetas em parte das cenas externas e o jogo de claro-escuro em algumas internas. Não sempre, apenas o suficiente para que nosso olhar repouse e o filme adquira uma bem-vinda alternância de registros fotográficos que contrasta com a imponente e asfixiante secura ensolarada da região.