Sibyl – por Carla Oliveira

É uma grande emoção publicar este belo texto de Carla Oliveira, feito exclusivamente para este blog. Será o primeiro de muitos.

——————————————————————–

Sibyl (2019), terceiro longa-metragem de ficção da francesa Justine Triet, é formalmente bem estruturado com elementos de suspense, tais como jogos de espelhos, repetições, aproximações, obsessões, silenciamentos e música dramática. Em meio a flashbacks que dão sentido à trama, assim como profundidade e humanidade a personagens envolvidos em dramas confluentes, uma referência soa destoante: a que é feita a Stromboli. Há um tempo para contemplação da ilha vulcânica na qual Rossellini filmou Ingrid Bergman pela primeira vez. Por suas pedras, quem caminha agora é Sibyl (Virginie Efira), uma psicanalista decidida a se dedicar à literatura, e que desaba em um choro convulsivo ao ver as imagens da erupção do vulcão na tela de cinema. 

Assim que a decisão de restringir seus atendimentos psicanalíticos a poucos pacientes é tomada, Sibyl começa a busca por seus materiais temáticos. Observa filmes e notícias de jornais atrás de inspiração. Uma ligação telefônica a põe em contato com Margot (interpretada por Adèle Exarchopoulos), uma atriz desesperada, que procura sua ajuda. Sibyl tenta encaminhar Margot aos cuidados de outro psicanalista, mas acaba aceitando a nova paciente, frágil em frente a uma importante decisão pessoal a ser tomada. Sentimentos e interesses são despertados. Há um mistério na obsessão e na dependência mútua que se desenvolve entre psicanalista e paciente. Sibyl grava, sem consentimento ou ética, as confissões e desabafos de Margot, pensando em usá-los em seu livro. Memórias de suas próprias experiências são evocadas. Sua vida passada vem em flashbacks que parecem envoltos em fantasia, nos quais há erotismo, alcoolismo, a morte da mãe e o fim de um relacionamento amoroso. No momento em que resolve se voltar à literatura, ela é mãe de duas meninas, uma delas fruto do romance do passado, e vive com um companheiro que não a entusiasma. Sua irmã Edith (Laure Calamy), que não consegue superar a morte da mãe delas, mora na casa de Sibyl e a auxilia nos cuidados às crianças. A atuação de Laure Calamy, assim como a de Adèle Exarchopoulos e de alguns outros atores, parecem exageradas em momentos de explosão dramática, principalmente em contraste com a atuação de Virginie Efira, sempre no tom e intensidade exatos. Proposital ou não? Edith finge, Margot atua. Sibyl, mesmo se achando impostora em sua busca por representações, age com sinceridade e coragem, tentando se encontrar em alguma realidade.

Sibyl é levada por Margot a viajar para Stromboli, local de filmagem da nova obra protagonizada pela atriz. Seu próprio psicanalista aponta a inadequação desta atitude. Na ilha, ela se vê parte da criação de um filme, sem nunca deixar de ser espectadora e confessora das vidas alheias, nas quais busca inspiração para seu livro. Margot, comprometida em encenações com o ator que é seu amante (Gaspard Ulliel), e companheiro da diretora do filme (Sandra Hüller), vê-se a ponto de um colapso ao ter que interpretar falsas cenas de amor imbuída de sentimentos genuínos. Mika, a diretora, achava que a realidade de interpretar o amor o destruiria. Margot pede a Sibyl interpretar o amante. Ela entra em cena. Envolve-se em realidade e ficção.

A crise final de Sibyl vem quando ela tenta mediar relações, criar, representar a si mesma. Descobre, enfim, o que pra ela é verdade, a essência da sua própria vida e o que é fundamental para um recomeço. A ficção seguirá sempre garantindo o drama.

%d blogueiros gostam disto: