Olhar de Cinema: Dias 1 e 2

dizaela

No dia 6, primeiro dia do Olhar, foi possível ver apenas a última sessão. Para o balanço da Folha, optei por ver todos os longas da mostra competitiva, e encaixar o que der das outras sessões. São muitas as mostras do festival, por isso conseguirei rever poucos filmes, pois a prioridade vai para os inéditos das outras mostras.

E o primeiro longa da competição que vi foi Pretérito Imperfeito, da chinesa Shengze Zhu (de quem vi, três anos atrás, o superior Um Outro Ano). O filme segue os youtubbers chineses (é outra plataforma, exclusivamente chinesa e mais desenvolvida, ao que parece, que seu equivalente internacional) e a interação deles com a legião de seguidores e com outros performáticos.

Confesso que não entrei em momento algum na pegada do filme, apesar de reconhecer alguns personagens carismáticos, como o homem que não cresceu, uma espécie de Ferrugem oriental. Mas trabalhar com found footage tem suas facilidades, o que torna difícil fazer qualquer coisa de realmente bom com esse tipo de material.

Abrindo o segundo dia, um filme impressionante sobre a experiência paulistana no trato com viciados em crack: Diz a Ela que me Viu Chorar, de Maíra Buhler. O filme flagra alguns dos moradores do hotel no centro da cidade que serviu de abrigo para os viciados. Vemos um tipo de testemunho que só se consegue com muito convívio e muita abertura, o que é um inegável mérito da diretora e de sua equipe.

Pode ser viagem minha, mas senti alguma influência do Hotel Monterey de Chantal Akerman. Neste que é o primeiro longa da genial diretora belga, um hotel decadente de Nova York serve como pretexto para Akerman fazer suas pesquisas visuais com a luz e com o espaço. Totalmente sem som, Hotel Monterey nos entrega o ritmo do hotel e de seus hóspedes e moradores, incluindo uma câmera dentro do elevador por alguns minutos, artifício que Maíra Buhler também usa muito bem. Claro que no filme brasileiro pode-se partir ou não do filme da Chantal Akerman, mas o importante é que se chega a um olhar muito pessoal para aquela situação, e a força do filme vem desse olhar atento, cúmplice, respeitoso com os excluídos.

Vi ainda mais dois filmes, o interessante brasileiro Casa, de Letícia Simões, e o fraco belga Etangs Noirs, de Pieter Dumoulin e Timeau De Keiser.

No filme brasileiro, filha, mãe e avó se encontram em Salvador e lidam com suas diferenças, principalmente entre a mãe e a avó, sendo que a filha é Letícia, a diretora do filme. Mas o encontro começa em 2015 e termina em 2017, com a avó já falecida. Há uma insistência em enquadramentos que cortam personagens. Num dos planos mais interessantes, vemos mãe e avó e só a ponta do nariz de Letícia (e mais alguma coisa de seu corpo), indicando que a diretora quer mesmo é jogar os holofotes naquelas que entende ser suas melhores personagens. De fato, são duas das personagens mais cativantes do cinema brasileiro recente. E se digo personagens é porque a verdade que elas mostram ali é claramente encenada para a câmera, pelo menos da parte da mãe, mais consciente de seu carisma (um carisma um tanto vilanesco, como a filha pretende forçosamente fazer-nos crer).

Casa não é tão forte quanto o outro brasileiro da competição, mas é bem digno. Se o filme mostra que o cinema baiano continua pulsante, mostra também que a crise de imaginário do cinema brasileiro recente continua, o que faz com que jovens cineastas muitas vezes procurem o real a qualquer custo, inventando a partir dele (isto está também no outro brasileiro do dia). Pelo menos agora já se trabalha melhor dentro desse registro.

Etangs Noirs me pareceu uma estupidez completa. O protagonista JImi deseja entregar um pacote a uma mulher que ele não conhece. O que tem nesse pacote que ele recebeu por engano, e quem será essa mulher? Mal sabemos, e mal saberemos no decorrer do filme. Jimi procura saber encontrar essa mulher, chamada Sayenna. Descobre onde ela trabalha, mas ainda não conhece seu rosto. Segue a mulher errada na saída do metrô. Invade a casa da mulher certa, mas está sem o pacote, deixado com um vizinho. Na casa, vê uma foto e passa a procurá-la no metro tendo a foto consigo, no horário que ela costuma sair do trabalho, segundo o informaram. Ele encontra Sayenna, hesita, e finalmente entrega, do jeito mais sem graça possível. Tudo isso filmado por uma câmera bêbada, usando por vezes a famigerada estética da nuca que cansou antes mesmo de se tornar moda, e apostando nas interrogações para segurar o espectador.

Os diretores pretenderam brincar com o McGuffin hitchcockiano numa narrativa totalmente farsesca. Mas o tratamento dado à câmera e o tipo de interpretação adotado, talvez por escolha dos diretores, por Cédric Luvuezo, ator que vive Jimi, comprometem a ideia e tornam um filme de 70 minutos algo penoso de acompanhar.

Ou seja, até agora, de quatro filmes vistos na competição, os dois melhores são brasileiros. Os dois problemáticos são internacionais. O cinema brasileiro resiste à barbárie, ao que parece, e continua colhendo os frutos de tantos anos tateantes.

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