Não sabia bem como escrever sobre esse belo filme português e por isso demorei um bocado para começar este texto, que eu também não soube continuar, e por isso demorei mais um bocado, maior que o primeiro, para terminá-lo.
Em primeiro lugar, José Oliveira é um amigo muito querido d’além mar e apesar de me considerar um crítico capaz de separar amizade da apreciação de uma obra, fiquei com receio também por outros motivos, como irei expor aqui.
Vi Os Conselhos da Noite numa cópia ainda não terminada enviada pelo produtor, e também amigo, Daniel Pereira, embora eu tenha achado ela bem prontinha já, faltando alguns ajustes de finalização que não chegam a prejudicar o julgamento. O que quero dizer é que confio na minha percepção, mesmo sendo uma cópia de trabalho e mesmo eu tendo visto uma vez. Claro, revisões virão, quando o filme finalmente for exibido oficialmente. Mas por enquanto a impressão foi bem positiva.
Há um quê do José (um grande quê, na verdade) nesse protagonista taciturno que descobre uma cidade muito diferente da que ele deixou. Esse é um motivo óbvio para meu receio, mas prossigamos. Não se passou muito tempo, mas a cidade cresceu muito rapidamente. Essa cidade é Braga, que eu conheci em grande parte na companhia do José e de outro amigo querido, o João Palhares, a dupla programadora do cineclube Lucky Star (locação da imagem que ilustra este post), também em Braga. Mas principalmente o José, com seu carro, me levou a um monte de lugares que revi no filme, lugares que adorei conhecer e adorei rever em cena. E no filme eles ficaram lindos, evocando uma poesia que eu já suspeitava existir na cidade. Eis um outro motivo.
É a cidade do bar perto de uma velha igreja, do Convento no alto de uma montanha, onde tinha uma descida que fazia o carro subir, uma mágica que o José me mostrou. Ali tinha também um parque, onde Hiroatsu Suzuki quase se viciou na Coca Cola Zero, por minha culpa. E reconheci o belo jardim do centro, e a livraria Centésima Página, onde comprei um belo livro português do Hitchcock. E um restaurante onde fui com o José e mais três amigos. E algumas ruas, a rodoviária, o clima frio e agradável da cidade. Não lembro o nome dos lugares direito, mas não vou consultar. Lembro da impressão que tive ao visitá-los com meus amigos bracarenses, e a impressão que eu tive ao revisitá-los no filme.
Há alguma coisa de Clint Eastwood também, no protagonista, o de Honkytonk Man, principalmente. E algo do Lucky, com Harry Dean Stanton. Sei que o José amou este último filme e talvez eu tenha sido induzido a encontrar a semelhança. Mas penso que não. Penso que Lucky é de fato uma influência para Os Conselhos da Noite. Assim como a impressão de que a cidade já virou outra coisa. Não necessariamente pior, mas certamente outra. E Matar Saudade, do Fernando Lopes, me pareceu outra influência, embora eu também possa ter sido condicionado pela consciência de que é outro filme adorado pelo José (outro motivo para o receio, obviamente).
Quer dizer, o que O Atirador tinha do José (e da Marta, e do Mário), o que Longe tinha do José, de certo modo soou pouco perto do que Os Conselhos da Noite tem do José. E percebe-se a produção maior em relação aos outros (intuo tensão no set, pois José é tímido, chegado às pequenas reuniões, mas é também agregador, embora ele não tenha muita consciência disso). E por mais que eu veja tanto do meu amigo, tenho quase certeza que o filme seja forte para quem nunca viu ou leu o José, ou nunca dele ouviu falar.
A tentativa de objetivar minha relação com o filme eu deixo para depois. Por enquanto, um recado ao meu amigo José: “Vai, e dá-lhes trabalho.”