Arquivos de Categoria: textos inéditos

Livro: Rocky, um Lutador e Os Embalos de Sábado à Noite: O mal-estar da sociedade americana e sua representação no cinema

R$ 65 reais, com envio por minha conta.

Indicado para todas as pessoas que gostam de cinema, principalmente interessados em:

  • História dos EUA
  • cinema americano
  • cinema moderno
  • blockbusters dos anos 1970
  • filmes de boxe
  • disco music

Podem comprar diretamente comigo (pix: 142.538.208-83).

Mais informações em sealpendre@gmail.com

CURSO: O cinema de António Reis e Margarida Cordeiro

– dias 17 e 19 de dezembro de 2025, das 19h às 21h30

O que dizer do casal Reis e Cordeiro? A filmografia desses portugueses é pequena e pouco conhecida fora de Portugal. Mas quem conhece dificilmente passa incólume pelas três obras-primas que realizaram de 1976 a 1989.

Este é um minicurso com dois encontros. Tornado possível pela brevidade da filmografia. Analisaremos os três longas do casal e os curtas que António Reis, que foi assistente de Manoel de Oliveira em Acto da Primavera (1963) e dialoguista de Mudar de Vida (Paulo Rocha, 1966), realizou antes do seminal Trás-os-Montes (1976), contextualizando-os no cinema moderno português.

“Esta dupla de cineastas dedicará boa parte de sua energia artística àquela região [Trás-os-Montes], resultando esta ‘pulsão estética – inerente à terra”, segundo Jorge Matos Cruz.

ENCONTRO 1

– Acto da Primavera (Manoel de Oliveira, 1963) e o crítico e assistente António Reis (entrevistado por João César Monteiro).

– os curtas de António Reis e a excelência de Jaime (1974) – referência para o personagem de João de Deus, de João César Monteiro.

– a obra-prima Trás-os-Montes (1976) e sua enorme influência no cinema português (incluindo João César Monteiro, via Veredas).

ENCONTRO 2

– Reis e Cordeiro voltam em nova obra-prima: Ana (1983)

– Rosa de Areia (1989), mais uma obra-prima de resistência enquanto boa parte do cinema novo português mudou de ares.

– a chamada escola estética portuguesa.

****** os encontros serão gravados e disponibilizados para quem não puder estar online.

———————————————————————————————

Professor: Sérgio Alpendre (Folha de S.Paulo e Casa Alpendre)

carga horária total: 2 encontros – 05 horas

QUANDO: 17/12 e 19/12/2025, quarta e sexta-feira, das 19h às 21h30

QUANTO: R$ 80,00 (1 parcela)

ONDE: plataforma online – ZOOM

COMO: inscrições pelo (11) 97414-3534 (só whatsapp) ou sealpendre@gmail.com

CURSO: Truffaut em 4 fases

TRUFFAUT EM 4 FASES

de 14/08 a 04/09/2025, quintas-feiras, das 19h às 21h30

Godard é provavelmente o maior cineasta moderno. Na França, teve concorrência de Alain Resnais, em primeiro lugar, mas também de Agnès Varda, Chris Marker, Jacques Rivette, Marguerite Duras, Éric Rohmer, Jean Rouch, entre outros.

Mas existia um lado mais próximo do romanesco nesse cinema, sem deixar de ser moderno. Era representado, sobretudo, por François Truffaut e Claude Chabrol. Para esses diretores, a base literária era de suma importância. Eram também diretores românticos, principalmente Truffaut, enquanto Chabrol tinha forte influência do romance policial popular do século XX.

O presente curso vai percorrer, em quatro encontros, a rica carreira do cineasta François Truffaut, desde a época em que era um dos jovens turcos da Cahiers du Cinéma até os últimos filmes que realizou antes de sua morte prematura.

Os encontros:

1. TRUFFAUT NA NOUVELLE VAGUE (1954-1964)

– os curtas de formação, os curtas de exercício, a crítica como aprendizado.

– semi-autobiografia em Os Incompreendidos.

– Charles Aznavour em Atirem no Pianista.

– Jules et Jim e a confirmação da nouvelle vague.

– Um Só Pecado e a despedida da nouvelle vague.

2. TRUFFAUT ENTRE HITCHCOCK E ANTOINE DOINEL (1966-1970)

– sci-fi na Inglaterra: Fahrenheit 451.

– no rastro de Hitchcock: A Noiva Estava de Preto, A Sereia do Mississipi.

– volta Antoine Doinel em Beijos Proibidos e Domicílio Conjugal.

– o diretor curioso: O Garoto Selvagem.

3. TRUFFAUT NO ROMANTISMO (1971-1977)

– obra-prima do romantismo: Duas Inglesas e o Amor.

– comédias românticas tortuosas: Uma Jovem Tão Bela Como Eu, O Homem que Amava as mulheres.

– no rastro de Victor Hugo: A História de Adele H.

– romance com o cinema: A Noite Americana.

– Na Idade da Inocência: versão solar e colorida de Os Incompreendidos.

4. TRUFFAUT ENTRE A MORTE E O AMOR (1978-1983)

– o filme definitivo da morte: O Quarto Verde.

– Amor em Fuga encerra o ciclo Doinel.

– drama histórico: O Último Metrô.

– a morte e o amor do lado: A Mulher do Lado.

– farsa lúdica: De Repente, num Domingo.

* * * * * * * * * * * * * * * * *

Professor: Sérgio Alpendre (Folha de S.Paulo)

carga horária total: 4 encontros – 10 horas

QUANDO: de 14/08 a 04/09/2025, quintas-feiras, das 19h às 21h30

QUANTO: R$ 130,00

ONDE:  plataforma online – ZOOM

COMO: inscrições pelo (11) 97414-3534 (só whatsapp) ou sealpendre@gmail.com

A critica de cinema em 3 encontros

A CRÍTICA DE CINEMA EM 3 ENCONTROS

COM SÉRGIO ALPENDRE (FOLHA DE S.PAULO)

Surgida tão logo o cinema se firmou como arte, a crítica cinematográfica atravessou algumas mudanças no século 20, chegando ao século 21 transformada pelo crescimento da internet, pelo smartphone e pela pulverização de informação.

Na verdade, o que mudou mesmo foi a maneira como a crítica é feita, recebida e entendida. Por um lado, nunca houve tantos críticos. Por outro, nunca a profissão esteve tão desprestigiada, e nunca sua influência no fracasso ou sucesso de uma obra foi tão baixa.

Estes encontros são um convite para pensarmos a crítica cinematográfica por meio da análise dos diferentes tipos de textos que envolvem, em diferentes níveis, a compreensão da arte cinematográfica.

Passaremos pelos diversos estilos de escrita, pelas principais revistas de ontem e de hoje, e pelas diferenças entre blogs, jornais impressos, revistas de ensaios, revistas acadêmicas e sites de cinema, aproveitando que o ministrante desenvolve trabalho em todos esses campos de atuação.

No processo, buscaremos uma compreensão do que pode ser uma crítica na época da informação e da multiplicidade dos pontos de vista.

Abaixo, enumero algumas possibilidades de discussões. Outras poderão surgir no decorrer dos encontros.

(uma sugestão associada a um encontro pode aparecer em outro – o formato vai sendo modificado de acordo com as conversas).

Encontro 1 – 17 de junho: 

PEQUENO PANORAMA DA ATIVIDADE CRÍTICA

– com o que sonham os críticos? Por que fazer/ler/ver críticas? A crítica é viável financeiramente?

– os críticos de cinema famosos do passado (Robin Wood, Jean Douchet, André Bazin, entre outros).

– as revistas (Cahiers du Cinéma, Positif, Movie, Cinéfilo, Set, Dirigido Por, Traffic, Film Comment…).

– a era da internet: a multiplicidade e a fragilidade da crítica.

– vantagens e desvantagens da nova era; obstáculos e catalisadores da crítica hoje.

– as mulheres começam a equilibrar o panorama da crítica.

————————————————————

Encontro 2 – 24 de junho:

ESCREVER NUM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO, NUM SITE OU NUM BLOG

– a experiência e o desafio de escrever para um grande público.

– limites e possibilidades da escrita no jornal.

– a necessidade de passar informação para o leitor e a impossibilidade de analisar a obra como um todo (não se pode contar o final do filme).

– a sinceridade me devora: detonando alguns dos meus próprios textos.

————————————————————-

Encontro 3- 01 de julho:

OUTRAS MANEIRAS DE SE FAZER CRÍTICAS + QUESTÕES ESSENCIAIS

– a necessária aproximação da academia com a disciplina crítica.

– crítica como gênero literário – se a crítica foi considerada, no século 19, um gênero literário, o que seria considerada a crítica em vídeo?

– os influenciadores dominando o espaço da crítica.

– 15 ou mais questões essenciais para pensarmos a crítica.

————————————————————-

PROFESSOR

Sérgio Alpendre é crítico de cinema, professor, pesquisador e jornalista. Escreve para a Folha de S.Paulo. Edita o blog de cinema sergioalpendre.com. Doutor em cinema pela UAM – Universidade Anhembi-Morumbi. Ministra cursos de história do cinema e oficinas de crítica por todo o Brasil.

carga horária total: 3 encontros, 7 horas e meia.

QUANDO: de 17/06 a 01/07/2025, terças-feiras, das 19h às 21h30

QUANTO:  R$ 100 (parcela única)

ONDE: plataforma online – ZOOM

COMO: inscrições pelo (11) 97414-3534 (só whatsapp) ou sealpendre@gmail.com

* Os encontros serão gravados.

Entrevista com Erico Rassi

O veterano Antônio Pitanga, no belíssimo Oeste Outra Vez

Entrevista com o diretor Erico Rassi

A ideia era gravar uma conversa pelo zoom e publicar a transcrição neste blog. Curiosamente, não me ocorreu de publicar o vídeo, sei lá por que motivo. Com o acúmulo de trabalho no final de março, coincidindo com a estreia de Oeste Outra Vez nos cinemas brasileiros, mandei algumas perguntas por email, complementando a entrevista por whatsapp.

Era a anunciada entrevista de um mau entrevistado, como Erico se definiu, por um mau entrevistador, como eu sempre me defini (Carlos Manga dizia que eu era o melhor que ele teve justamente por isso. Será?).

De todo modo, Erico estava errado, é um ótimo entrevistado. Valorizou minhas limitadas perguntas com observações agudas sobre o cinema brasileiro e esclarecimentos pertinentes a respeito de seu percurso cinematográfico e do filme que acaba de estrear.

Proponho, de início, um exercício em hierarquia histórica. Você acha que o cinema brasileiro é melhor hoje que há dez anos?

Acho que a gente perdeu realizadores importantes nesse período como o Carlão, o Tonacci, o Coutinho, alguns deles bissextos, mas todos ainda filmando. Mas também houve a consolidação de um cinema forte e inventivo, como o cinema do Adirley, do pessoal da Filmes de Plástico. Ao mesmo tempo, algumas coisas mais conjunturais desestimularam um pouco esse “cinema de invenção”. Pra mim, a principal delas foi a adoção pela Ancine da pontuação por desempenho artístico, que qualifica a presença dos filmes em festivais de acordo com uma escala de importância. Cannes, Berlim, enfim. Isso acaba dando um peso muito grande para a seleção nesses festivais, e essa se torna a única maneira de ter um projeto contemplado nos editais de desempenho artístico, que são voltados para esse tipo de cinema teoricamente menos comercial. Então uma parte dos realizadores vai tentando se adequar, aderir a uma tendência que supostamente facilite a entrada nesses festivais de renome para que possam continuar produzindo – e sobrevivendo.

É melhor hoje ou há vinte anos? Ou há trinta anos? Quarenta?

Acho que há quarenta anos a gente experimentava mais, mas hoje a gente tem uma produção mais consolidada e diversificada, que vem de diferentes regiões. Em relação ao meu gosto pessoal, acho o espírito dos anos 60 e 70 mais inquieto, contestador, sem querer dizer que hoje a gente não tenha mais isso – acho que temos, mas de forma mais eventual. Mas essa pode ser uma impressão minha, porque não tenho um panorama geral do cinema produzido naqueles anos. Minha cinefilia começou apenas na década de 2000, e talvez minha percepção parta de um acesso limitado ou em função desse interesse mais específico.

Está mais fácil fazer cinema agora, no Brasil, do que na época do Comeback?

Pessoalmente pra mim acho que mais difícil, por alguns motivos: a explosão de produções para streaming no período da pandemia aumentou os custos de produção, e hoje há muito mais produtoras, mais projetos… Sem falar que o dinheiro da Ancine está mais concentrado em linhas que privilegiam as grandes produtoras. Uns tempos atrás conversei com o Tiago Macedo, da Filmes de Plástico, e ele me disse o seguinte: quando a Filmes de Plástico surgiu, havia uma única cadeira vazia junto as cadeiras das grandes produtoras, e naquele momento esse lugar podia ser ocupado por alguém desse cinema autoral e independente. Eles se sentaram naquela cadeira, e de lá para cá não surgiu mais nenhuma vaga.

No que este filme deve à experiência de Comeback? Percebo que os filmes delineiam um percurso autoral, e ao mesmo tempo têm suas diferenças.

Sim, Oeste sem dúvida mantém algumas características e procedimentos que eu usei no Comeback, mas com um equilíbrio diferente na forma e no tom. Acho até que algumas dessas características vêm desde os curtas metragens, e levaram um tempo para serem refinadas. Também acho muito importante que essa nossa passagem quase obrigatória pelos curtas metragens não seja desperdiçada tentando alinhar esses filmes com alguma estética ou temática da moda, para que sejam aceitos em festivais. É uma fase de formação, de acharmos aquilo que faz sentido para nós como realizadores e como expressar formalmente as questões que nos angustiam.

Como foi o trabalho com o elenco? Houve alguma resistência inicial?

Eu tenho uma característica em relação ao texto, ou os diálogos, no caso, que é escrever e reescrever várias vezes, até que eu sinto que o ritmo e a cadência estão agradáveis e dentro da mesma linguagem. Então na hora dos ensaios, tenho que ser muito rigoroso com esse texto, senão essa cadência se perde. Com isso, não permito improvisações nos diálogos, nem mesmo os famosos “cacos”. Fora isso, a gente ensaiava bastante as pausas, criando uma espécie de “partitura” das falas. Alguns atores estranharam um pouco esse procedimento, porque hoje em dia há muita improvisação nos textos – em alguns casos os atores recebem apenas uma ideia geral e uma intenção, e improvisam em cima daquilo. Mas não diria que houve resistência, apenas um estranhamento inicial. Na verdade a maioria dos atores adora um desafio, desde que bem colocado.

A pergunta clichê: quais são suas maiores influências no cinema e quais foram as influências para Oeste Outra Vez?

Eita… eu sempre tenho dificuldade pra pensar nisso. Me parece que a resposta me vem meio enuviada, porque muitas referências vêm da literatura, de algumas coisas que li quando era novo… Vou tentar responder, mas me desculpe se a resposta parecer meio confusa e aleatória.

Eu tenho a impressão que nossas referências vão se empilhando ao longo do tempo, de uma forma em que elas deixam de ser claras ou se na verdade são referências em cima de outras referências. Por exemplo, eu descobri o Hal Hartley cedo na minha cinefilia, e adorava aquela artificialidade dos diálogos. Só mais tarde fui conhecer o Godard e ver como o primeiro tentava emular o segundo, que fazia aquilo com muito mais propriedade e significado. É aquele negócio: você vê um plano de um cavalo atravessando uma planície e sabe que de alguma forma aquilo remete a John Ford, mas aquela composição não se compara à original, porque é muito mais que simplesmente deslocar a linha do horizonte pra cima ou pra baixo.

Acho que no geral, minha maior influência é o cinema da Nova Hollywood, pela forma como os filmes tencionam a identificação e complexificam os personagens. Me parece que foi o último período em que o espectador foi tratado como adulto, capaz de pensar e assimilar sensações complexas. Quase tudo que vejo desse período eu gosto e se conecta comigo de alguma forma.

No caso do Oeste, eu tentei também me inspirar em alguns westerns menores, que usavam o gênero ou para contrabandear temas ou que subvertiam um pouco os códigos. Me lembro de Canyon Passage, do Jacques Tourneur, um western lento, com muita atmosfera, meio noir. E principalmente os dois westerns do Monte Hellman, Disparo Para Matar e A Vingança de Um Pistoleiro. Disparo Para Matar em especial acho muito forte, uma ambientação estranha e aquele final desconcertante. Desses dois últimos também tentei me inspirar na forma como foram feitos, quase sem recursos e com muita liberdade criativa.

Agora mais profunda: como você se vê no contexto do cinema brasileiro? E no mundial? Há alguma dificuldade de furar as panelas de festivais aqui e no exterior?

Nossa Serginho, não sei muito como responder isso. O que eu gostaria (não sei nem se rola incluir isso) era poder filmar com mais frequência, porque lá se vão 6 anos desde que filmei o Oeste. Se possível, construir uma filmografia que seja consistente, mantendo o controle artístico sobre os filmes. Eu sei que isso demanda um esforço, mas o preço de se fazer concessões, aderir a ondas, também é muito alto. Lembro do Friedkin dizendo que os diretores não deveriam aceitar filmar qualquer coisa, a não ser que estejam desesperados – nesse caso seria permitido. Eu ainda não passei por esse estágio do desespero, mas já flertei com ele algumas vezes (rs).

Quanto às panelas dos festivais – e elas realmente existem – é difícil, principalmente se você não é alguém muito conectado, não sabe fazer o tal do “networking” ou pra piorar, como no meu caso, se você é tímido e pouco sociável. Nesse caso, me lembro de outra entrevista, dessa vez do Steve Martin, dizendo que a única solução para romper essas barreiras é fazer algo realmente muito bom, que não possa ser ignorado. E mesmo assim, olhe lá.

Achei impressionante a câmera contornando o orelhão para dar o zoom no Jerominho. No zoom, me lembrou Altman, cineasta de que nem gosto tanto, mas que tem lá seus grandes momentos. Você fala em Monte Hellman, mas não lembro tanto de zoom no Monte Hellman (faz tempo que não vejo e posso estar errado).

Sim, acho que não tem zoom nos filmes dele mesmo. Também não sou um grande fã do Altman, mas ele usa o zoom com muita elegância. O zoom vem desde o Comeback, na época eu pensei que seria um jeito de relacionar a precariedade dos personagens com um movimento que não é muito sofisticado, não demanda tanta preparação quanto um dolly, por exemplo, e que o espectador de alguma maneira sente isso. É também um jeito da câmera se aproximar desses personagens meio insignificantes, quase como se dissesse “olha esse pessoal ridículo aqui, se eu não me aproximar deles ninguém vai notar, eles passam despercebidos” rs. Enfim, uma daquelas ideias que a gente têm e não tem certeza se funciona. Como a câmera no Oeste quase sempre é imóvel, acho que aí também vale uma entrevista que vi do Scorsese onde ele analisa o Ford e diz que ele mantém a câmera estática para que quando ela se mova, isso tenha um significado.


Texto sobre o filme: https://sergioalpendre.com/2025/03/31/oeste-outra-vez/

Oeste Outra Vez

Oeste Outra Vez (2024), de Erico Rassi

A mim causou boa surpresa a recepção de Oeste Outra Vez, de Erico Rassi, não só quando estreou, no Festival de Gramado de 2024, mas em exibições posteriores. Na minha órbita, talvez seja o filme brasileiro recente mais próximo da unanimidade, junto com Mato Seco em Chamas, de Joana Pimenta e Adirley Queirós, que me faz entrar no coro, e Greice, de Leonardo Mouramateus, que me deixa mais afastado.

Revendo o filme de Rassi com calma, agora que finalmente estreou em circuito comercial em várias cidades do Brasil, ele se confirma como um dos maiores do cinema brasileiro da década, um dos raros em que tudo funciona maravilhosamente bem dentro do que faz do cinema uma arte única e especial.

Clássico = moderno

Grosso modo, a trama de Oeste Outra Vez é bem simples, como costuma acontecer com filmes que se impõem pela forma, mais do que pelo tema (embora este tenha seus atrativos para a turma mais conteudista), e como aconteceu em seu filme anterior, o belo Comeback (2017), descontado o documentário Resplendor (2019), que Rassi dirigiu com Claudia Nunes, um parêntesis em sua carreira. Trata-se de um faroeste na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, onde dois homens que amam a mesma mulher tentam se matar apelando para matadores… er… profissionais. Os homens em luta são Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana). Os matadores são Jerominho (Rodger Rogério), contratado por Totó, e Antonio (Daniel Porpino) e Domingos (Adanilo), contratados por Durval.

Totó espera Durval chegar para começar uma briga. A mulher que ambos amam, Luiza, está no carro de Durval. Enquanto os homens se socam ao lado do carro, ela vira o rosto, negando-se a ver aquela palhaçada. Sai do carro e se afasta, em câmera lenta, ao som de Nelson Ned. Não há espaço para mulher nesse mundo masculino brutal e selvagem, mas acima de tudo, tolo, muito tolo. E frágil, muito frágil.

Jerominho, o pistoleiro veterano contratado por Totó erra todos os tiros com que pretendia acertar Durval. Matador de araque. Durval, por sua vez, contrata os dois outros matadores, mais jovens, para dar cabo de Totó e Jerominho. Enquanto isso, Totó continua tentando reatar com Luiza por telefone, em vão. O crescendo da violência terceirizada é curioso. Durval é mais forte que Totó, então este apela para um terceiro. Durval não se contenta em igualar a disputa, chama dois matadores, para manter sua vantagem.

Na superfície, Oeste Outra Vez bebe do cinema clássico americano de John Ford (as paisagens, o expressionismo, a lembrar que um dos filmes de Ford se chama Homens Sem Mulheres) e Howard Hawks (Rio Bravo é o nome de uma das produtoras, mas há também a espera, matéria definidora do filme Rio Bravo, de Hawks). Não está errado identificá-lo desse modo, como um filme clássico, desde que não se perca o tanto que esse retorno ao clássico tem de moderno. Volta-se ao que já foi feito para apanhar ideias e apresentá-las de modo diferente, como Godard fez com Jerry Lewis em Tudo Vai Bem, como Michael Cimino fez com John Ford em O Portal do Paraíso, como Martin Scorsese fez com Luchino Visconti em A Época da Inocência. De certo modo, como toda a nouvelle vague francesa fez com o cinema americano em seus primeiros filmes, e como a Nova Hollywood fez com o cinema clássico americano e com os filmes da nouvelle vague, e daí por diante.  

Logo no início, com o carro levantando pó da estrada de terra, temos um plano em que apenas o terço esquerdo do quadro mostra um pedaço do carro chacoalhando pelo atrito com o chão, enquanto o restante do quadro é dominado por uma abstração cor de terra. O corte seco, ultrajante dentro do modo clássico (como alguns que Ford fazia já nos anos 1930, aliás), nos mostra Totó dentro do carro bebendo água ou cachaça em uma garrafa pet. O zoom in lento que surge a seguir remete ao western spaghetti, ou ao Clint Eastwood influenciado por Sergio Leone. Durante o filme, por vezes, o zoom remete ao Rossellini histórico.

Numa cena, ainda na primeira metade, em que Totó está num orelhão, a câmera o contorna para encontrar um ângulo ideal e se aproximar, novamente pelo zoom, de Jerominho, que está sentado a observar o desespero de Totó sem Luíza. E aí entra uma nova referência (ou só uma grande semelhança mesmo): Robert Altman, uma fonte em que Kleber Mendonça Filho também foi beber no início de Aquarius. A função do zoom no filme de Rassi normalmente é de investigação, de procurar enxergar melhor uma determinada circunstância, um determinado grupo de pessoas ou mesmo um único personagem. Uma investigação na bidimensionalidade, como no Rossellini histórico. O crítico italiano Adriano Aprá, aliás, fala em volta ao clássico a respeito desse Rossellini por causa do espaço bidimensional, que remete ao primeiro cinema, tratado pelo zoom (é uma maneira interessante de encarar a dualidade clássico/moderno). Os zooms de Rassi são lentos, pouco invasivos, diferentemente dos zooms de Visconti, por exemplo. O zoom em Lily Tomlin na cena da canção de Keith Carradine em Nashville, por sinal, o momento mais brilhante de toda a carreira de Altman ao lado de alguns planos-sequências de O Jogador, parece ser o antecedente ideal para certo tipo de zoom que encontramos em Oeste Outra Vez. Adequar o nosso olhar para enxergar melhor esses homens perdidos, a escuridão que os cerca. Com poucos e discretos travellings e muitos zooms, Rassi constrói seu retrato particular do meio-oeste brasileiro, com muita dor de corno e muito fim-de-mundo.

Um filme brasileiro

Do mesmo modo que falar só em cinema clássico é perder aspectos essenciais do filme, falar em cinema americano, em Ford, Hawks, Eastwood, Altman, por mais que sejam referências válidas, é perder o quanto o filme é brasileiro. Na verdade, entendo como um dos filmes mais brasileiros dos últimos tempos. Esse lugar que Rassi retrata é o Brasil dos matadores, o Brasil terroso, em que se mata com facilidade. Sinuca, cachaça, carros com vidros que emperram, paredes rústicas pintadas com cores chamativas, filtros de barro, cortinas puídas e música brega dos anos 1970 e 80 (hoje revitalizada). Onde as ameaças veladas surgem como formas de conselhos, dicas para sobrevivência, e sempre se chora pela mulher abandonada, nunca pelo que se fez para que houvesse o abandono, ou pelo que não se fez para evitá-lo. Em que homens de uma certa idade precisam sentir que ainda estão fortes, mostrando o muque para seus interlocutores mais jovens.

Fellini foi o grande cronista do fracasso do macho italiano, principalmente em filmes como Os Boas Vidas (1953), Casanova (1976) ou A Cidade das Mulheres (1980). Érico Rassi faz uma representação da masculinidade frágil no que se costuma chamar de Brasil profundo. Pode-se dizer que fez o mesmo que Fellini, mas em relação ao macho brasileiro, e de um outro modo, mais apegado à releitura do gênero western e à violência arraigada na cultura brasileira.

Devemos conceder que os homens de Oeste Outra Vez, apesar de ridículos, têm seus momentos de delicadeza que talvez eles não gostariam de revelar aos pares, pois isso os faz ficarem vulneráveis. Totó um pouco menos, pois está desesperado por ter sido trocado por outro, mas mesmo ele revela ter alguma consciência do absurdo de sua reação. Durval, por outro lado, diz a Totó que ele precisa deixar de prender, dar autonomia à pessoa amada. Sufocar, parece entender Durval, não é a melhor maneira de amar. Antônio, o personagem de Daniel Porpino, chega a dizer que não é possível se roubar uma mulher, deixando entender, como o fez Durval, que o erro era todo de Totó. Mas esse mesmo Antônio desvia de seu propósito (de modo contrário aos personagens de Hawks), para se vingar do novo marido de sua ex-esposa, que encontra por acaso enquanto estava num bar com Domingos. Depois, a culpa o devora. Matou sem contrato. Colocar dúvidas nos personagens masculinos os humanizam, mas não enfraquece a caricatura da masculinidade tóxica que o filme promove com muito talento. 

A mulher pela qual esses homens lutam, como vimos, se afasta deles – e da câmera – no começo do filme, mostrando estar acima desse tipo de toxicidade possessiva. Na última sequência, estão só os homens, numa espécie de orgia assexuada de cachaça, música brega e sinuca. A brodagem masculina se basta, quando não se devora.

Menos um filme de homens para homens do que um filme que identifica na sociedade patriarcal brasileira (porque é nela que o filme se insere) uma das principais causas de nossa perdição. Nesse sentido, é também um dos filmes mais políticos do cinema brasileiro recente.


Entrevista com o diretor: https://sergioalpendre.com/2025/03/31/entrevista-com-erico-rassi/

Adolescência

Adolescence (2025), de Philip Barantini

Logo depois de ver Morando com o Crush, história de amor adolescente feita no Brasil e dirigida por Hsu Chien, encarei Adolescence, minissérie inglesa que trilha um caminho em tudo oposto ao do filme brasileiro. Resolvi encarar porque nas redes sociais as pessoas ficam quase monotemáticas, então achei melhor lidar logo com o bicho para ver se é tudo o que estão falando ou é mais uma miragem, como tantas vistas na Netflix nos últimos anos.

Esta é a minissérie da vez para quem engole tudo que a Netflix promove como obrigatório. Tinha uma grande suspeita de que era mais um delírio coletivo da cinefilia, o primeiro de 2025. Não poderia dizer sem conferir de fato, certo? Não se trata de ver para não gostar, como costumam dizer os que se satisfazem com poucas imagens. Inevitavelmente, lemos coisas que nos fazem formar uma impressão do que deve ser a partir de algumas informações: Inglaterra, plano-sequência, crime hediondo, adolescentes, bullying, incel.

Pois Adolescence é exatamente o que eu esperava. Uma trama que prende nossa atenção pelos mesmos artifícios de todas as minisséries, boas ou ruins, um artifício técnico predominante, que só às vezes funciona bem com a trama, uma dificuldade de estabelecer uma conexão mais forte com os personagens justamente pela limitação do artifício.

Por causa da ideia de filmar cada episódio em um único plano, em tempo real, um personagem é sempre encarregado de levar a câmera para um outro núcleo da ação, seja o policial, seja o dos pais, dos amigos de colégio, eventualmente para algum outro lado. Essa necessidade revela muito rapidamente sua fraqueza, a mesma que dominava Birdman, por sinal. A subordinação da trama à técnica, sem que essa técnica leve ou permita a exacerbação de um estilo. O resultado disso é que no segundo episódio já comecei a implorar por um corte qualquer, uma elipse temporal bem usada, uma mudança de cena pensada na decupagem, qualquer coisa que rompesse com essa ideia de plano único e tempo real.

O acusado é Jamie, tem apenas 13 anos. Está no começo da adolescência, numa idade em que ainda é tratado como criança pelos pais, professores e outros adultos, mas já começa a se comportar como um jovem cheio de desejos. Por ser muito novo, o crime pelo qual é acusado choca ainda mais. Como poderia cometê-lo? De que maneira o cometeu? As respostas são logo dadas por um vídeo de segurança que a polícia requisitou. A questão do filme passa a ser então de que modo nascem os incels, grosso modo, homens heterossexuais agressivos e recalcados, geralmente misóginos e com pendor para a violência. Pode um menino de 13 anos já ser um incel?

A opção pelo plano único e pelo tempo real foi usada com brilhantismo por Hitchcock em Rope (1948), com a necessidade de falsear os cortes, pois as bobinas duravam até 10 minutos. Quem se impressiona com o que Barantini faz aqui com uma câmera digital, sem a obrigação de falsear nada, devia dar uma olhada no filme de 1948. Em Hitchcock havia modernidade, em Barantini percebo só firula. André Bazin fez sérias problematizações a Rope (ver texto em O Cinema da Crueldade) e elas cabem direitinho em Adolescence. Na verdade, elas cabem muito mais em Adolescence do que em Rope, como se Bazin tivesse errado o alvo por quase oitenta anos. Muitas das situações, basicamente, não se beneficiam da opção pelo plano único. Elas seriam muito mais fortemente filmadas de um modo menos virtuosístico, podendo ficar bem mais modernas porque dependeriam de escolhas certas, não de um procedimento técnico levado até o fim. Uma vez que se optou pelo plano único, todas as outras escolhas derivam dessa. Fica uma camisa de força que só grandes cineastas conseguem desbaratar.

Uma consequência dessa opção é a câmera em constante movimento, o que parece criar um vício pelo movimento (como em Birdman) mesmo que na verdade não haja a menor necessidade de movimento. Exemplo disso está no começo do terceiro episódio, quando a psicóloga vai conversar com Jamie, sete meses depois de sua detenção. A câmera gira ao redor deles incessantemente, talvez para que o público perceba que não há corte algum. Podia ficar estática durante boa parte da conversa, como fez recentemente Steve McQueen em Hunger, para ficarmos ainda no cinema inglês. Talvez a cena ganhasse força com o repouso da câmera. Outra consequência, toda a conversa precisa ser vista por nós. Só que ela não nos interessa tanto além de certo ponto, então o filme, para obedecer o tempo real, não pode elidir partes dessa conversa para avançar na história. E lá se vai todo um episódio numa conversa repetitiva, que obviamente tem seus momentos fortes, sobretudo no final, mas também tem muitos que só entediam. É quase uma autossabotagem causada pela opção do tempo real com plano único. Um episódio de 50 minutos dos quais retemos uns dez, quinze, quando muito.

Por que aceito esse tempo num filme como Jeanne Dielman e não em Adolescence? Porque cada opção é avaliada unicamente para um filme. O que pode funcionar perfeitamente em um, pode ser terrível para outro. Parece óbvio, mas muitos ainda me perguntam esse tipo de coisas. E mesmo quem tem mais tempo de cinefilia por vezes cai nesse tipo de engano. Sendo autorista, em Jeanne Dielman a opção funciona porque temos, além de uma série de escolhas acertadas dentro da ideia (que, afinal, não é usada de modo limitador, como uma gincana cinematográfica), uma grande cineasta, o que não acontece em Adolescence.

O cinema pouco visto de José Rubens Siqueira

Diretor associado ao chamado cinema marginal, e mais ainda à cena teatral dos anos 1960 e 70, o paulista José Rubens Siqueira, nascido em Sorocaba, realizou apenas um longa, além de diversos curtas, todos lamentavelmente desconhecidos do cinéfilo brasileiro. Só Em Cada Coração um Punhal, de 1970, filme de três episódios dirigidos por Siqueira, Sebastião de Souza e João Batista de Andrade, teve alguma circulação em mostras e cineclubes. O cineasta não aparece no antigo livro História do Cinema Brasileiro, de Fernão Ramos (na edição recente, atualizada por Ramos e Sheila Schvarzman, não consegui encontrar porque não tem índice de nomes ou filmes citados). Também não consta na Enciclopédia do Cinema Brasileiro, de Ramos e Luis Felipe Miranda (ao menos na edição que tenho), o que dá uma medida de seu esquecimento. Talvez ele seja mais conhecido como tradutor de livros importantes, muitos da Companhia das Letras, por exemplo.

A mostra que começa nesta quinta-feira, 20/03, na Cinemateca Brasileira, indo até o próximo domingo, é uma boa desculpa para conhecermos melhor o seu trabalho no cinema. É também uma homenagem ao cineasta, que faleceu em 17 de fevereiro deste ano, aos 79 anos.

Não quero contribuir para a marginalização do formato curta-metragem, mas também não posso deixar de observar que o grande filé da mostra é o único longa realizado por Zé Rubens (como ele era conhecido pelos povos de teatro e de cinema), Amor e Medo (1974), filme estrelado por José Wilker e Irene Stefania (os dois na foto que ilustra o post) que começa com um trecho do poema homônimo do escritor romântico Casimiro de Abreu (1839-1860). Em curtas, temos alguma ideia das obsessões de quem dirigiu. Em longas, essas obsessões precisam ser estruturadas de alguma forma, mesmo que seja de forma bem livre, como a que Siqueira parecia perseguir. Por isso o longa tem peso maior no entendimento do que foi sua carreira cinematográfico.

Isso não quer dizer que os curtas sejam pouco valiosos. Pelo contrário. Eles dão uma amostra do que estaria por vir ou do que poderia ser feito, caso Siqueira filmasse mais longas. E são curtas, na maioria, bem curtos, que podem ser apreciados numa tacada só. Atenção: Perigo (1967), seu terceiro curta e o primeiro que podemos ver, marca a estreia de Sonia Braga no cinema. Ocorrência 642/67, o curta seguinte, parece ter sido o estopim para algum interesse num circuito alternativo, segundo o próprio Siqueira menciona, por meio de seu alter ego José Wilker em Amor e Medo. Pequena História do Mundo (1974) é igualmente imperdível, da série de colagens de meados dos anos 1970. Outro destaque pode ir para Hamlet (1975), um dos preferidos da cinefilia mais antenada, pois já estava disponível há algum tempo no YouTube. Por fim, vale ver Close Up (1975), que arrisca um caminho bem distinto.

Aqui vão breves comentários sobre cada filme da mostra.

Atenção: Perigo (1967)

Jovens brincando, descobrindo coisas e se amando na natureza, próximo ao mar. Dá para ver de que modo uma linha evolutiva sai de Limite (1931), de Mário Peixoto, e chega neste curta de Siqueira, cheio de experimentos e vontade de inovar. É reputadamente o primeiro filme de Sônia Braga, o que já lhe confere um interesse e tanto. Imaginem, começar neste curta, explodir no cinema brasileiro e na televisão durante os anos 1970 e, na maturidade, filmar Rookie, de Clint Eastwood. Nessas linhas do tempo, o cinema se mostra uma arte de história imprevisível.

Ocorrência 642/67 (1967)

Amor, ciúme e crime. Um filme mais urgente e menos onírico que Atenção: Perigo, quase uma simulação de um caso policial. Aqui já se vê um querer mais definido, uma proposta pensada de cinema.

Semana da Arte Moderna (1968)

A esta altura já deu para perceber que José Rubens Siqueira não é muito bom com títulos. Este curta de dez minutos tem fotografia em cores de Jorge Bodanzky. É um passeio importante por obras e artistas do modernismo brasileiro da semana de 22. Mas é meio institucional, apesar de bem feito e, em última instância, bonito de se ver.

Clepsuzana (ep. de Em Cada Coração um Punhal, 1970)

Se bem me lembro e se o letterboxd estiver certo, este é o segundo episódio de Em Cada Coração um Punhal. Quando o vi, salvo engano na mostra de cinema marginal que o Eugenio Puppo promoveu no CCBB, em 2001, achei o mais fraco dos três (e o de Sebastião Souza o melhor). Revendo hoje, suas qualidades me pareceram mais evidentes.   

A jornada de uma cleptomaníaca filmada com grande influência da nouvelle vague e um humor muitas vezes involuntário, como na cena em que ela rouba o isqueiro de um homem no bar e um terceiro testemunha e tenta avisar. Estamos no terreno da precariedade, o que costuma deixar o cinema brasileiro num rumo mais inventivo, por vezes fascinante. Seria tolo, contudo, diminuir o filme por seus diálogos fracos (na verdade, estereotipados da relação homem-mulher da época) e pela dublagem deficiente.

A graça do filme é o inusitado de mostrar, por exemplo, o fim de um relacionamento metaforizado em explosões numa série televisiva que a protagonista vê no momento. Ou o impulso que a leva a descer do carro e roubar uma estátua da entrada de uma casa.

Emprise (1970)

Curta de cinco minutos em que a inscrição Eros é Tanatos surge em várias línguas. Na maior parte, o curta é uma animação com evidente teor político.

Amor e Medo (1974)

Único longa de José Rubens Siqueira, Amor e Medo foi rodado majoritariamente em Matão, no interior de São Paulo, com um José Wilker cabeludo e cineasta e uma Irene Stefania professora e pintora, ambos exalando juventude. Eles são pais de um menino que se recusa a falar. O filme alterna as cores e o preto e branco conforme surgem momentos do passado do casal na capital e do presente no interior. Boa saída para o inconveniente da interrupção da filmagem por três anos. Os Beatles e Roberto Carlos estão presentes mais uma vez, além de outros artistas que faziam sucesso na virada dos 60 para os 70. É especialmente forte a maneira como Siqueira se apropria de cacos (recortes de jornais e revistas, trechos diversos de textos, de músicas, de outros suportes fílmicos, capas de discos) para construir uma representação estilhaçada de uma história de amor, com fatos que marcaram cada época (1970 e 1973). É uma espécie de Matão S/A, já que a esposa acompanha seu marido numa viagem de recomeço.

Normalmente, o vai e vem de tempos surge para encobrir dificuldades com o desenvolvimento da trama. Não é o caso aqui, além da necessidade de retomar o filme anos depois. Talvez Siqueira não fosse capaz de resolver dificuldades surgidas em um filme mais narrativo. O mais provável, contudo, é que ele nem quisesse. A época era de radicalização, de expandir a modernidade cinematográfica até onde fosse possível a partir dos moldes da nouvelle vague francesa e do neorrealismo italiano, do cinéma vérité e do cinema direto, do free cinema e do próprio cinema moderno brasileiro. Não é por acaso que na estrada apareça uma placa com a palavra LIMITE, assim mesmo, em maiúsculas. Questão de filiação. A geração de modernistas a qual pertence vai recuperar o cineasta que a geração anterior, a de Glauber Rocha, deixou de lado: Mário Peixoto.

É Luiz Felipe Miranda que informa, em seu Dicionário de cineastas brasileiros, de 1990, que o filme ficou três anos parado. Sendo um filme de 1974, mas que aparenta a bifurcação entre o cinema novo mais radical e o fortalecimento do cinema marginal do começo da década de 1970, é natural que o filme transborde algo de ressaca, que faz dele ao mesmo tempo datado e muito especial (e provavelmente especial por ser datado). Imagino até que as imagens coloridas são posteriores à interrupção, com Wilker já cabeludo, e as imagens em preto e branco sejam do início da década.

Em 1974, o cinema brasileiro começava a desabrochar industrialmente, graças à Embrafilme. Isto não quer dizer que alguns filmes, especialmente os que não eram produzidos ou distribuidos pela estatal, deixassem de ficar num limbo, quase invisíveis em sua época e nos anos futuros.

Amor e Medo é um dos filmes invisíveis. Dele pouco se falou, pouco se escreveu. É também um típico primeiro longa, um amontoado de ideias que precisam caber em menos de uma hora e meia. Siqueira mostra a convulsão do mundo no fim dos sixties e o reflexo disso (a ressaca) nos seventies. No Brasil, uma ditadura estava em curso. O refúgio é a arte. José Wilker é um cineasta fracassado. Porque é poeta. Fez também filmes “para ganhar dinheiro”, como ele mesmo confessa, mas não deram muito certo. Siqueira brinca com seu alter ego na cena em que Wilker lê um texto sobre o promissor curta Ocorrência, que é do próprio Siqueira.

Na apresentação da Mostra, o texto diz que o filme foi exaltado por José Carlos Avellar, Jairo Ferreira e Carlos Reichenbach. Não lembro da exaltação de Avellar (aliás, não lembro de ter lido algo sobre Siqueira, a não ser o que está no catálogo da mostra de cinema marginal do Eugenio Puppo), mas acredito e fico feliz que tenha acontecido. As do Jairo e do Carlão são compreensíveis. Tudo a ver com os filmes que eles fizeram.

Papo de Anjo (1974)

Um filme que se passa dentro de uma orelha. Filme de colagens parecido com os que Luiz Rosemberg Filho faria nos últimos anos de sua vida. Siqueira era mais lírico, chegando na política pela poesia. Rosemberg procurava a política diretamente, de maneira afrontadora, como era de sua personalidade.

Pequena História do Mundo (1974)

Na mesma linha do curta anterior, com as mesmas técnicas e a mesma verve poética. Aqui, porém, me parece haver uma lógica estrutural mais interessante, uma maneira de contar a jornada do humano (na época se falava, “o homem”, no mesmo sentido de humano) rumo ao seu destino, que na verdade é uma volta aonde tudo começou. Um belo curta-anedota.

Sorrir (1974)

Outro da série de curtas de colagens feita em 1974, como se o diretor quisesse descansar da experiência de um longa com alguns divertimentos inconsequentes. Este é mais centrado em fotos de pessoas comuns, numa sucessão rápida entre as fotos em que estão sérias e as que estão sorrindo que provoca a mesma mentira do cinema: imagens estáticas que dão a ilusão de movimento.

Hamlet (1975)

Novo curta de colagens. Fotos com animações. Ozualdo Candeias chamou o seu Hamlet de A Herança, então podemos dizer que o melhor filme chamado Hamlet entre os feitos no Brasil é este curta de seis minutos de puro imaginário. Fala do filho da mulher-aranha com o homem-mosca. Sua mãe amava tanto o seu pai que o engoliu inteiro para ficar sempre com ele. Imaginação sem freios.

Close Up (1975)

O tique-taque de um relógio, uma foto de uma mulher com seu filho e um cachorrinho, uma descrição minuciosa de alguns objetos de quarto, o desfocar. Corta. Câmera em outro cômodo. Um gemido e sons de pássaros ao fundo. Um copo com água e um frasco de remédio. Ruptura em relação aos curtas anteriores. Filme de intimidade, de decadência e cotidiano. Tão forte quanto Hamlet porque tão diferente de tudo que JRS tinha feito até então enquanto Hamlet era justamente o ápice do que ele vinha fazendo desde o longa.

Sonho de Glória (1975)

Usado no fundo do palco de Elis Regina durante os shows da turnê Falso Brilhante. Curta no início onírico, psicodélico, daria um bom clipe para alguma canção de rock progressivo. Depois entram as colagens. Um retorno a 1974.

À Estrela Dalva (1976)

A qualidade da imagem é inferior a dos outros filmes. É outro curta de colagem, aqui em homenagem à cantora Dalva de Oliveira.

Kitsch Nº1 (1980)

Segundo a data que consta na programação, este filme foi exibido pela primeira vez quatro anos depois do curta anterior. Um homem relembra momentos íntimos com seu grande amor, com a música de Roberto Carlos (“Outra Vez”, do disco de 1977), trilha de muitos amantes da época. Ou melhor, música da Isolda, na interpretação magnífica do Rei.

E aqui vai o link para a programação no site da Cinemateca:

Os 20 melhores filmes de 2024

TOP 20 2024

Como sempre, em algum momento de janeiro publico, neste blog (ou na Leitura Fílmica, como nos dois anos anteriores), a minha lista pessoal dos 20 melhores filmes do ano que acabou.

A lista continua mais para baixo. Antes, algumas palavrinhas (quem não tiver paciência, pode descer a página que eu não me importo).

Por que em janeiro? Porque há filmes estreando na segunda metade de dezembro que merecem ser considerados. Em 2024, o segundo melhor da lista estreou no streaming, sem passar pelos cinemas brasileiros, no dia 20 de dezembro, quase no fechar das cortinas do ano.

Por que 20? Acho que 10 ficaria pouco representativo e 50 ficaria com filmes demais. Nunca há 50 filmes de alto nível estreando comercialmente no Brasil (em país algum, eu diria).

Por que só estreias em cinema ou streaming? Porque nunca me interessei em fazer listas que englobam todos os filmes vistos num ano. Creio que seja necessário ter algo de que falávamos na Contracampo, um denominador comum, um grupo comum de filmes elegíveis, que todos os cinéfilos pudessem ver num determinado período de tempo (publicar a lista na segunda metade de janeiro tem essa vantagem também).

Observo este ano que o número de lançamentos diretos no streaming aumentou, o que deve ser uma tendência. Se vai matar ou prejudicar mais ainda a experiência de ver filmes em sala eu não sei. Diria que depende dos distribuidores (aí mora um perigo), e dos frequentadores de cinema ficarem muito mais educados (aí mora outro perigo).

No ano passado, tinha sete filmes brasileiros entre os vinte mais. Neste ano são quatro. Não piorou. O ano passado é que foi bom demais para além da curva.

Sem mais, vamos à lista:

01. O Sequestro do Papa (Rapito, 2023), de Marco Bellocchio

A maturidade fez bem a Marco Bellocchio. Seu cinema no século 21, desde A Hora da Religião, encontra um classicismo que jamais apaga sua modernidade. O cineasta passou a dominar como poucos os procedimentos específicos de sua arte – mise en scêne, decupagem e montagem – para nos surpreender com cortes inesperados, contracampos plenos de poesia e uma divisão de planos que beira a perfeição. Assim foi com Bom Dia Noite, em que uma canção do Pink Floyd entra como um baque no drama de uma brigadista vermelha. Assim foi com Vincere, no qual um contracampo de médicos ou a entrega de uma carta podem nos provocar arrepios na espinha pela excelência da forma. Assim é em O Sequestro do Papa, em que cada alternância de plano, de escala ou motivo formal nos apresenta outro mundo cheio de possibilidades. O melodrama jamais é negado. Pelo contrário, é assumido como condição de sempre do melhor cinema italiano, de Rossellini a Visconti, de Fellini a Zurlini, de Comencini a Moretti. Em cenas tocantes como a do rapto em si, logo no início (“ho paura”); a do reencontro com a mãe, em que o menino deixa de se comportar como queriam os padres e explode de vontade de voltar para a sua família; ou o momento onírico em que ele tira os pregos e liberta Cristo de sua cruz, Bellocchio mostra que a história, a família e a igreja católica formam os pilares de formação da Itália. E nao teme as sombras, nem as elipses. Por isso o filme contrasta com o grosso do cinema contemporâneo, normalmente mais didático na construção narrativa, e todo iluminado, por vezes até com visual de TV led exposta em supermercado. Bellocchio insiste em fazer cinema: claro-escuro, sugestões e insinuações, tempo e espaço trabalhados com primor. O mostrar e o esconder. O olhar do espectador que se adapte.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/07/o-sequestro-do-papa-e-mais-uma-obra-prima-de-marco-bellocchio.shtml

02. Jurado Nº2 (Juror #2, 2024), de Clint Eastwood

Filme que começa com olhos vendados, da estátua da justiça e da esposa que é apresentada ao quarto do futuro bebê, e termina com olhos bem abertos – o peso da culpa. Que passa pela ideia de julgamento como confirmação de nossos preconceitos. Que brinca com a verossimilhança para fazer cinema. Que mostra personagens em encruzilhadas morais. Eastwood disse em várias ocasiões que amava Rashomon. Desta vez, não precisou dizer. Filmou. Já havia filmado antes, é verdade. Com elementos de 12 Angry Men, e de Scarlet Street, a culpa que persegue e atormenta, é um filme preocupado com a profundidade de campo (me mostrem um único telefilme com essa preocupação). É o momento em que Eastwood mais se aproximou de Fritz Lang.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/12/clint-eastwood-retorna-e-questiona-a-verdade-no-primoroso-jurado-no-2.shtml

03. O Quarto ao Lado (The Room Next Door, 2024), de Pedro Almodovar

O melhor Almodóvar, o que não é pouco. Está para sua carreira como A Casa do Lago para a de Alejandro Agresti. Mas O Quarto ao Lado é um filme realista, ao contrário do filme de Agresti. Não vemos o maneirismo típico de filmes como Fale com Ela ou A Pele que Habito. O cineasta espanhol trabalha uma contenção que é quase inédita em sua carreira, ampliando e aperfeiçoando as possibilidades melodramáticas de seu Tudo Sobre Minha Mãe. Um melodrama contido não é obrigatoriamente menos intenso.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/10/filme-o-quarto-ao-lado-traz-pedro-almodovar-em-sua-melhor-forma.shtml

04. Armadilha (Trap, 2024), de M. Night Shyamalan

Não lembro de uma atuação tão boa de Josh Hartnett em seus filmes anteriores. É como se esse papel justificasse toda sua carreira. A duplicidade do personagem está desde o início: o bobalhão que agrada a filha e o calculista que observa. Como Brian De Palma, Shyamalan é brilhante na manipulação do tempo.

05. Tudo que Imaginamos como Luz (Prabhayay Ninachathellam, 2024), de Payal Kapadia

Às vezes podemos negar o Public Enemy e acreditar no hype. A maneira de trabalhar com a câmera não é muito de minha preferência, mas é inegável que Payal Kapadia tem olhar e pensa essa câmera muito bem. É um exemplo de como filmar com a câmera na mão hoje em dia. Seu filme tem alguns planos inspiradíssimos, sobretudo no início, com ela no trem (aliás, quantas cenas em  transportes públicos vemos neste filme de trabalhadores), e no final, com aquela tenda iluminada no centro do quadro. Filme sempre agradável de ver, que até nos tranquiliza com sua melancolia.

06. A Filha do Palhaço (2022), de Pedro Diógenes

O melhor filme brasileiro no circuito comercial de 2024 foi exibido na Mostra de Gostoso de 2022, em novembro, quando respirávamos um ar de alívio. Diógenes teve a pachorra de fazer um melodrama em tempos de buscar o real, de negação ou mesmo fuga de cenas mais emotivas. Fez um filme belíssimo, cheio de cenas inspiradas, rodadas num tom muito ajustado para não cair na pieguice.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/05/a-filha-do-palhaco-e-melodrama-contido-que-acerta-no-tom-das-emocoes.shtml

07. Ferrari (2023), de Michael Mann

Na época de sua estreia, o diminuíram de todos os jeitos. Procuraram até o diminuir como um melodrama, como se melodrama fosse algo menor. Outros reclamaram do filme ser todo em inglês, como se fosse possível viabilizá-lo em italiano. Mann aqui provou um pouco da recepção estreita que os filmes de Clint Eastwood enfrentam desde Menina de Ouro. Uma pena, pois é seu melhor filme desde Miami Vice.

08. Mal Viver (2023), de João Canijo

Faz uma dupla com Viver Mal, que é claramente inferior. O hotel como personagem de dramas familiares, com um trabalho de conversas paralelas que, a meu ver, supera o de Robert Altman em filmes como California Split e Nashville.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/01/diptico-mal-viver-e-viver-mal-tem-maes-crueis-e-filmes-brilhantes.shtml

09. O Dia que Te Conheci (2024), de André Novais Oliveira

Filme belíssimo. André Novais deu o salto que ensaiava desde os curtas. O cartaz sugere uma comédia romântica nos moldes das de Hollywood. Não consigo ver isso no filme. Até é uma comédia romântica, mas tem uma ambição artística muito maior que a média desse tipo de filme. O plano em que Renato está na passarela com o outro moço, ambos correndo para pegar o ônibus substituto, é excelente, com um zoom muito bem usado. Também é ótima a cena da conversa no carro, quando Grace Passô chora e ri. São momentos que capturam algo muito forte, que não é fácil capturar. Uma verdade que vai muito além da verdade geralmente buscada pelos cineastas contemporâneos.

10. E a Festa Continua (Et la Fête Continue!, 2023), de Robert Guédiguian

Marcel Pagnol, nascido em Aubagne, filmou bastante na vizinha Marseille, mas acho que nenhum cineasta usou tanto a cidade como um personagem quanto Guédiguian. Foram diversos filmes vividos, sonhados em Marseille, e este Et la Fête Continue! é mais um deles. Um filme bem francês, com todos os personagens se entregando ao amor, pequenos burgueses de esquerda, e bem de Marseille, com o mar, a paisagem e também os problemas, a política, as reivindicações. A simplicidade e a poesia onde menos esperamos. E aos 20 minutos, o milagre já acontece: a cena em que Ariane Ascaride encontra Jean-Pierre Darroussin pela primeira vez, no coral regido pela nora dela, que por acaso é filha dele. Os olhares de interesse mútuo se misturam com o orgulho pelo talento da moça, num primor de olhares e sensações. Gérard Meylan, que normalmente completa o triângulo de atores mais frequentes em seu cinema, interpreta o irmão de Ascaride. No final, outro pequeno milagre: um belo momento com a música de Le Mépris, de Godard. Guédiguian tem filmografia irregular. Este certamente é um de seus maiores filmes.

11. Trenque Lauquen (2022), de Laura Citarella

Desde que descobri O Manuscrito de Saragoza, de Wojtech Has, adquiri uma certa fascinação por histórias que contém histórias que contém outras histórias, numa construção em abismo que embaralha narrativas e pontos de vista. Trenque Lauquen é mais um espécime desse tipo de engenho e mais um exemplo de invenção da El Pampero Cine. Em comparação com o filme mais ambicioso da produtora, La Flor, de Mariano Llinás, este não é tão constituído de altos (muitos) e baixos (poucos), situando-se mais próximo de uma única linha qualitativa, com picos de inspiração surgindo ao longo das mais de quatro horas. Laura Paredes, a ausente muito presente, concentra a maior parte desses picos em sua atuação. Curiosamente, é quando ela está em cena, nos flashbacks, que o filme se torna mais comercial, quase uma comédia romântica, embora o desejo de narrar de maneira criativa nunca se arrefeça. Laura quer desaparecer e, para tanto, precisa desaparecer também do filme. Mas é todo um filme de desaparecimentos.

12. Até que a Música Pare (2023), de Cristiane Oliveira

Flagra um casal de idosos tentando superar a perda do filho e as maracutaias do homem, ex-proprietário de um supermercado. Eles vivem na serra gaúcha, numa comunidade que ainda fala o dialeto de imigrantes do norte da Itália, uma língua que nos remete à obra-prima A Árvore dos Tamancos (1978), de Ermanno Olmi. Num dos momentos mais belos do filme, a filha volta da Itália com seu marido italiano, e ele ensina à sogra sobre o budismo, tentando entender o dialeto dela enquanto sua esposa explica as diferenças entre essa língua e o italiano oficial. O momento me lembrou o cinema de outro Oliveira, o português Manoel, principalmente dos filmes Viagem ao Princípio do Mundo (1997) e Um Filme Falado (2003).

13. Vidas Passadas (Past Lives, 2023), de Celine Song

Surpreendente e melancólica comédia romântica que desvia de vários clichês do gênero (reviravoltas sentimentais, pessoas aplaudindo declarações de amor em público, manifestações do acaso). Muito inteligente também na observação sobre as diferenças culturais, o que inclui as expectativas amorosas, entre Coréia do Sul e EUA. O final é tocante.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/01/vidas-passadas-e-boa-estreia-de-celine-song-sobre-misterios-do-amor.shtml

14. Estranho Caminho (2023), de Guto Parente

Mira em Robert Bresson e acerta em Kenji Mizoguchi. Ou Bresson é só um despiste? Parece que Guto Parente procura brincar com a multireferencialidade do cinema contemporâneo. Na relação pai e filho, falas e interpretações são um triunfo.

15. Music (2023), de Angela Schanelec

Sucessão de acontecimentos na vida de um personagem, com elipses ousadas e uma estrutura de oposições bem interessante. Filme mais arriscado de Schanelec. Dizem que é uma releitura de tragédia grega. Alguns sinais podem ser pescados nesse sentido, mas imagino que só depois que a sinopse-bula nos informou. De todo modo, o filme resiste sem a informação.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/04/music-e-um-filme-que-tenta-driblar-o-trivial-com-direcao-notavel.shtml

16. Crônica de uma Relação Passageira (Chronique d’une Liaison Passagère, 2022), de Emmanuel Mouret

No tom singelo e preciso de Mouret, com um ator sublime em seu lugar, Vincent Macaigne. O mais interessante é que Mouret sempre consegue algumas variações em seus esquemas dramáticos.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/11/cronica-de-uma-relacao-passageira-faz-de-curtir-a-tristeza-um-triunfo.shtml

17. Anatomia de uma Queda (Anatomie d’une Chute, 2023), de Justine Triet

São vários os temas do filme: suicídio ou assassinato, uma alemã na França, casal franco-alemão que se comunica em inglês, roubo de ideias,  bloqueio criativo, estupidez da promotoria (uma constante em filmes de tribunal), relação com Preminger. Ao mesmo tempo, o filme é sobre nada. Ou sobre a imposição do nada. A vitória do imaginário sobre o real.

18. A Besta (La Bête, 2023), de Bertrand Bonello

Começa como um L’Année Dernière à Marienbad diluído e vai se tornando, ou é invadido eventualmente, por um Under the Skin mais sóbrio. Bonello destrincha a obra-prima de Resnais e a enfraquece. Passado e futuro, no filme, se igualam à arquitetura de Paris, entre o clássico e o moderno. Depois, uma mudança de registro remete aos filmes mais doidos de David Lynch, os de estrutura bipartida. As repetições e as duplicações criam um efeito de entorpecimento, como se o filme nos convidasse a passar pelo mesmo que a protagonista, Léa Seydoux, enfrenta por sua própria vontade. Quando fica Lynchiano, La Bête tem algo de Radu Jude também, nos vídeos do trintão ressentido porque as garotas não lhe dão bola. E algo do Annette de Leos Carax, de Videodrome, do Cronemberg. Mas que bagunça, seu Bonello! A promiscuidade referencial me parece proposital, como parte da estratégia de mexer com memórias da cinefilia. As referências a Lynch no final são as mais explícitas. Mas o filme mexe também com a ideia de reprodução das imagens, e de transmissão, das definições do digital e de suas fraquezas. Bonello soube trabalhar para diminuir o caos de sua própria criação, nesta adaptação livre de Henry James. É um diretor de altos não muito altos e baixos não muito baixos, sempre a uma distância pequena do razoável. Aqui, está em seu melhor momento.

19. Here (2023), de Bas Devos

Não confundir com o recente filme de Robert Zemeckis. Este é o quarto e melhor longa do cineasta belga Bas Devos, um belo ensaio sobre o tempo e o espaço no cinema.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/05/here-e-belo-estudo-das-relacoes-humanas-num-tempo-de-vagarosidade.shtml

20. Furiosa (Furiosa: A Mad Max Saga, 2024), de George Miller

A continuação de uma das sagas mais interessantes do cinema dos últimos 50 anos. O mais difícil era repetir a qualidade e a exuberância de Fury Road. Miller não conseguiu. Mas se percebe a diferença deste para quase todos os outros filmes de ação contemporâneos. Quando há cineasta por trás, fica mais fácil o CGI fazer sentido. Além disso, Miller é ainda um ótimo diretor para cenas de ação.


Os 20 melhores de 2023:

https://leiturafilmica.com.br/os-20-melhores-filmes-de-2023-por-sergio-alpendre

Os 20 melhores de 2022:

https://leiturafilmica.com.br/melhores-films-de-2022/

CURSO: O cinema magistral de John Ford

O CINEMA MAGISTRAL DE JOHN FORD – 16 ENCONTROS

Sempre amado e sempre combatido (geralmente pelas razões erradas), John Ford continua sendo um dos mais importantes realizadores cinematográficos de todos os tempos. Para muitos, como Orson Welles, o maior de todos.

Há quem o acuse de racista, reacionário ou o que quer que seja, sempre levantando a bandeira da justiça social. Uma análise atenta de seus filmes, contudo, desmancha todas essas acusações, pela contextualização.

É o que, entre outras coisas, o  presente curso pretende fazer. A intenção é entender como sua carreira, de 1917 a 1965, passando por diversas fases da História do Cinema, está muito acima de anacronismos e injustiças de julgamento.

Serão 16 encontros com trechos de muitos filmes, leituras de textos e muitos debates acerca dessa carreira de imensa riqueza cinematográfica.

Professor: Sérgio Alpendre (Folha de S.Paulo)

carga horária total: 16 encontros – 40 horas.

QUANDO: de 06/03 a 26/06/2025, quintas-feiras, das 19h às 21h30

QUANTO:         

– R$ 390,00 (parcela única para os 16 encontros)

                  ou:

                 – R$ 150 cada módulo.

                 – dois módulos: R$ 280

                 – três módulos: R$ 360

[preço para quem fez o outro curso John Ford (com 8 encontros): R$ 200]

ONDE: plataforma online – ZOOM

COMO: inscrições pelo (11) 97414-3534 (só whatsapp) ou sealpendre@gmail.com

* Os encontros serão gravados.

2

MÓDULO 1 – MARÇO 2025

1. DE JACK A JOHN FORD: O NASCIMENTO DE UM GRANDE CINEASTA (1917-1926)

– do primeiro longa de Jack ao primeiro longa de John: o primeiro nascimento.

– um primeiro herói: Harry Carey.

– O Cavalo de Ferro mudou seu patamar em Hollywood.

– os filmes não perdidos de 1925: Lightnin’, Kentucky Pride.

– 1926, um ano importante: The Shamrock Handicap, 3 Bad Men, The Blue Eagle.

2. BUSCANDO UM ESTILO ENTRE O IRMÃO, GRIFFITH E MURNAU (1927-1931)

– os longas de 1927 e 1928: depurando a influência de Murnau.

– Quatro Filhos e o início de uma majestade cinematográfica.

– os primeiros sonoros de Ford: 1929, 1930 e 1931.

3. A PRIMEIRA GRANDE OBRA E O APRENDIZADO NO SONORO (1931-1933)

– Médico e Amante: a primeira grande obra de Ford.

– Air Mail e Fresh: dois filmes tateantes.

– Peregrinação (imagem 2): a primeira obra-prima.

– Dr. Bull: primeiro filme com Will Rogers.

4. ESTABELECENDO MITOS (1934-1935)

– aventura e exotismo com Victor McLaglen: A Patrulha Perdida.

– dois Fords atípicos: A Marcha do Século e O Homem que Nunca Pecou.

– Juíz Priest: segundo filme com Will Rogers.

– expressionismo e Irlanda com Victor McLaglen: O Delator.

3

MÓDULO 2 – ABRIL 2025

5. SURFANDO NA ONDA DE O DELATOR (1935-1936)

– Nas Águas do Rio: terceiro e último filme com Will Rogers.

– o falso culpado: O Prisioneiro da Ilha dos Tubarões.

– no século XVI:  Mary Stuart, Rainha da Escócia.

– novo filme irlandês: Horas Amargas.

6. OS ANOS INCERTOS (1937-1938)

– com Shirley Temple: A Queridinha do Vovô.

– cinema catástrofe: Furacão.

– 1938, Ford responde a um ano menos inspirado em Hollywood: Quatro Homens e uma Prece e Patrulha Submarina.

7. O ANO SUPER CERTO (1939)

– a renovação do western: No Tempo das Diligências.

– a juventude do democrata da união: A Mocidade de Lincoln.

– pré-western: Ao Rufar dos Tambores.

8. APOGEU E EXPECTATIVA (1940-1941)

– começando a década com os pés na esquerda: As Vinhas da Ira.

– a expectativa da II guerra mundial em A Longa Viagem de Volta.

– divertimento inconsequente: Caminho Áspero.

– oscarizado e magistral: Como Era Verde o Meu Vale (imagem 3).

4

MÓDULO 3 – MAIO 2025

9. A FASE SOMBRIA (1945-1947)

– os filmes do esforço de guerra (1942 e 1944) e a síntese de Fomos os Sacrificados.

– western noir com Wyatt Earp e Doc Holiday: Paixão dos Fortes.

– religiosidade e claro-escuro com Gabriel Figueroa no México: Domínio dos Bárbaros.

10. NOS DOMÍNIOS DO WESTERN (1948-1949)

– começando a trilogia da cavalaria com Sangue de Heróis (imagem 4).

– mais um filme religioso: O Céu Mandou Alguém.

– segundo da trilogia da cavalaria: Legião Invencível.

11. VARIAÇÕES (1950-1951)

– filme “menor”: Azar de um Valente.

– western dos maiores: Caravana de Bravos.

– fecho da trilogia da cavalaria: Rio Grande.

– documentário sobre a Guerra da Coréia: This is Korea!

12. VARIAÇÕES II (1952-1953)

– um filme irlandês magnífico: Depois do Vendaval.

– reverberando a I Guerra Mundial: Sangue por Glória.

– volta ao Juiz Priest, sem Will Rogers: O Sol Brilha na Imensidão.

– romance exótico: Mogambo.

5

MÓDULO 4 – JUNHO 2025

13. OU VAI OU RACHA (1955-1957)

– humor e militares: A Paixão de uma Vida (imagem 5).

– autoria estilhaçada: Mister Roberts e os telefilmes de 1955.

– a volta por cima: Rastros de Ódio (imagem do alto).

– filme injustiçado: Asas de Águia.

14. ENTRE FILMES MODESTOS E FILMES HISTÓRICOS (1957-1959)

– filme irlandês, filme inglês: Ao Cair da Noite e Um Crime por Dia.

– Ford e Tracy em filme sobre meandros da política: O Último Hurrah.

– a Guerra Civil em Marcha de Heróis.

15. OS PRIMEIROS DOS INSPIRADOS ÚLTIMOS ANOS (1960-1962)

– antirracismo explícito, para desfazer equívocos: Audazes e Malditos.

– western revisionista explícito (também para desfazer equívocos): Terra Bruta.

– o fim da Hollywood clássico e do western clássico: O Homem que Matou o Facínora.

– novamente a guerra civil no episódio de A Conquista do Oeste.

16. ÚLTIMOS FILMES DO DIRETOR DOS DIRETORES (1963-1965)

– anarquia nos mares do sul: O Aventureiro do Pacífico.

– novo western revisionista: Crepúsculo de uma Raça.

– encerramento sublime e mizoguchiano: 7 Mulheres.

– autoria estilhaçada: O Rebelde Sonhador e Chesty: A Tribute to a Legend.

——————————————————–

Professor: Sérgio Alpendre (Folha de S.Paulo)

carga horária total: 16 encontros – 40 horas.

QUANDO: de 06/03 a 26/06/2025, quintas-feiras, das 19h às 21h30

QUANTO:         

– R$ 390,00 (parcela única para os 16 encontros)

                  ou:

                 – R$ 150 cada módulo.

                 – dois módulos: R$ 280

                 – três módulos: R$ 360

[preço para quem fez o outro curso John Ford (com 8 encontros): R$ 200]

ONDE: plataforma online – ZOOM

COMO: inscrições pelo (11) 97414-3534 (só whatsapp) ou sealpendre@gmail.com