Trechos da crítica de Monteiro sobre O Passado e o Presente, de Manoel de Oliveira, para o Diário de Lisboa em 1972 (é possível imaginar uma crítica assim publicada hoje?):
“Que dizer, agora, de O Passado e o Presente, a não ser que, aos 62 anos, o mais jovem dos cineastas portugueses acaba de fazer o seu maior e mais inteligente filme, precisamente numa altura em que assistimos à triste e senil decadência dos velhos senhores do cinema (vide o Visconti ou o Bresson ou o Losey, por ex.)?”
(…)
“Que o senhor tenha podido fazer o filme que fez, nas condições em que o fez, é talvez o menor dos seus méritos e o mérito maior de um esforço coletivo que, de um modo ou de outro, acaba por englobar todos aqueles que se tem batido por uma dignificação do coitado do cinema português.
Sinto-me perfeitamente à vontade para dizer isto, pela simples razão de o meu contributo, nesse sentido, ter sido absolutamente nulo. Nunca quis, nem quero, dignificar coisa nenhuma e, muito menos, o cinema português.
Além do mais, e para simplificar, antipatizo consigo. Se quiser, é uma antipatia de classe, feroz e desdenhosa. Irremediável. Há ainda o seu inconcebível catolicismo de catequista que (diga-se) se traduz num humanismo bolorento e charlatão sempre que o senhor sacrifica o discurso cinematográfico a uma verborreia pseudo-literária para se dar ares de carpideira filosófica preocupada com os pecados do mundo.”
(…)
“O Passado e o Presente não é o reflexo de um mundo; é um mundo que a si próprio se espelha e objectiviza. As personagens do filme são espelhos de si próprios (e só) e com elas o uso dos espelhos perde a sua habitual função de objeto de um “décor” para introduzir uma dimensão especular que só admite, todavia, o seu próprio espetáculo. “Não há dúvida que estamos aqui”, diz-se no começo do filme. Aqui, onde? Indubitavelmente, num filme.”
(…)
“Sistematicamente construído e organizado sobre a noção do duplo, O Passado e o Presente sutilmente se encerra no jogo de sua duplicidade. Jogo entre o que vê e o que é visto, entre o que mostra e o que esconde, O Passado e o Presente é, por excelência, o filme da festa do olhar. É, pois, a extensão e a qualidade do olhar que produz, regula e determina o movimento mais profundo e mais violento do filme: o movimento eminentemente erótico. Que me recorde, e se a memória não me trai, só encontro em toda a história do cinema um filme tão violentamente erótico como o filme de Manoel de Oliveira. Trata-se (curiosamente) do filme mais subestimado e incompreendido de Dreyer: Gertrud.”
(…)
“Resta dizer que, como todos os grandes e revolucionários filmes, também este tem o condão de desmascarar os imbecis e de propor uma lição de modernidade cinematográfica para quem quiser e puder entender.”
Assisti a Aquarius. Moro em Recife e não posso falar sobre isso em voz alta. Mas o filme é chato, por dois motivos, principalmente: 1) Excessivamente didático. Por exemplo, aquele diálogo que a personagem de Sônia Braga tem com o amigo jornalista no restaurante é quase uma leitura de Sergio Buarque ou de Casa Grande. Outro exemplo é quando um personagem fala sobre uma ex-empregada que os havia roubado: “nós os exploramos e eles nos roubam”. 2) O filme é muito maniqueísta. Alguns personagens representam o bem e a resistência enquanto outros a encarnação do mal e da destruição. O filme é discursivo demais.
Acho que os diálogos são mesmo o ponto mais fraco do filme, que no geral é bem irregular.
E essa polêmica em torno do filme de Kleber Mendonça e comissão que escolhe os que vão pro Oscar?
bobagem, como quase tudo que envolve o oscar.
onde achou isso? as vezes que procurei as críticas do monteiro nunca encontrei muita coisa.
está no catálogo da cinemateca portuguesa