Elle vem dando o que falar. Paul Verhoeven conseguiu dividir feministas. Algumas dizem que o filme é misógino, outras o consideram feminista. Acho que é o suficiente para que se estabeleça a dúvida, não? Ou ninguém mais quer ouvir o outro? Teve crítica dizendo que olhar masculino não pode mais no cinema. O que, sinceramente, eu não entendo. Todo olhar é válido.
Sempre entendi Verhoeven como um misantropo, que se revela mais em alguns filmes (Spetters, O Quarto Homem, Robocop, O Vingador do Futuro, Homem Sem Sombra) e parece ter recaídas humanistas em outros (Louca Paixão, A Espiâ). Em Elle, espécie de versão em reverso de O Quarto Homem, volta à misantropia que marcou boa parte de sua carreira e apresenta um filme cheio de personagens negativos, com uma única pessoa do bem: Anna, interpretada por Anne Consigny. Todas as demais são desprezíveis. Até mesmo quem, num primeiro momento, não parece ser.
Como bom misantropo, Verhoeven busca confundir mentes confortáveis com altas doses de ambiguidade, que fazem com que qualquer julgamento determinante (feminista, machista, misógino) possa ser desmentido com uma simples revisão atenta do filme. Tem alguns descuidos (personagens caricatos demais, situações que poderiam ser melhor desenvolvidas, peças mal colocadas num tabuleiro imaginário da transgressão – por um engano tinha escrito “transcrição” no lugar de “transgressão”, ainda quero entender por quê), não atingindo o nível de inteligência que Sniper Americano atingiu nesse sentido. Por isso gosto de Elle com ressalvas, apesar de uma cena antológica como aquela em que Michèle e o vizinho fecham as janelas (em compensação, os momentos de vulgaridade que funcionam tão bem em Instinto Selvagem e Showgirls aqui simplesmente não colam).
Além disso, parece que de repente Verhoeven virou queridinho da cinefilia. Desconfio bastante dessas reviravoltas do gosto. Alguns cineastas saem de moda com muita facilidade. Outros transformam-se em intocáveis. O diretor ainda está longe de ser aquele dos anos 80 e 90. Mas pelo menos se recuperou do sofrível Traição, e continua filmando, ainda que dê a impressão que qualquer coisa que ele fizer será defendido apaixonadamente por parte da crítica. Está na hora de ele fazer o seu Saló.
TOP 10 Verhoeven
1) Robocop (1987)
2) Tropas Estelares (Starship Troopers, 1997)
3) Showgirls (1995)
4) A Espiã (The Black Book, 2006)
5) O Quarto Homem (The Fourth Man, 1983)
6) O Vingador do Futuro (Total Recall, 1990)
7) Instinto Selvagem (Basic Instinct, 1992)
8) Louca Paixão (Turkish Delight, 1973)
9) O Amante de Katie Tippel (Keetje Tippel, 1975)
10) Soldado de Laranja (Soldaat van Oranje, 1977) + Spetters (1980) + Elle (2016)
Obs.:
– Do terceiro ao quinto temos praticamente um empate técnico. As posições poderiam ser invertidas com tranquilidade.
– O empate na décima posição foi uma solução fácil para a dúvida sobre qual escolher. Ainda não revi Elle, e nunca revi Spetters, mas Soldado de Laranja cresceu consideravelmente na revisão de alguns anos atrás.
Não gosta de Saló, Alpendre?
adoro. é a obra-prima de Pasolini.
ainda estou para entender o que enxergam de tão bom em Tropas Estelares. Era para ser uma sátira ou é tão ruim que acham que é bom? O começo é legalzinho (tirando as cenas daquela festa insossa), mas o roteiro trai nossa confiança: mata a garota mais legal, apresenta um par central muito sem graça (era pra ser uma sátira aos casais bobinhos?), e não se decide entre sátira à cobertura da mídia e aventura espacial (as mortes exageradas eram pra ser sátira?). Enfim, o que viram de tão bom é algo que escapa à minha visão.
é uma sátira. Tão inteligente e bem dirigida quanto True Lies. Mas Verhoeven gosta de mostrar seus filmes disfarçados de vagabundos. Deve ser o senso de humor holandês.