Título besta o brasileiro para A Quiet Passion, de Terence Davies. Mas talvez o título original seja tão intraduzível, em sua aparente simplicidade, quanto a própria poesia.
É um filme sobre a vida da poetisa norte-americana Emily Dickinson. Pensado e muito bem planejado para ser uma obra de arte digna da artista retratada. Geralmente, esse cuidado excessivo dá errado. Não quando temos um diretor que tem grande segurança, imensa habilidade na encenação e sabe o que fazer com seus atores. Lembra um pouco o caso da banda britânica Zombies. Cientes de que iriam se separar, resolveram encerrar a carreira com uma obra-prima chamada Odessey and Oracle. E fizeram, sim, a obra-prima que queriam fazer, num dos raros casos em que a consciência da precisão formal constrói uma peça de inabalável beleza.
Terence Davies é de Liverpool, como os Beatles. Como bom inglês, esse diretor ainda subestimado sabe muito bem o que extrair dos atores, no tom certo, mesmo quando à beira do explícito (os planos de epilepsia) ou quando exagera no witticism (as conversas com a audaciosa srta. Buffam). Graças a esse domínio, e a alguns achados formais que não conseguem contornar o que tem de calculistas (a panorâmica que revela a clausura dos costumes, a passagem do tempo nas fotos de família, o sermão do reverendo visto só por reflexo na janela do quarto, a desilusão com o amor em forma de um sonho tenebroso), e mesmo assim impressionam dentro do conjunto tão brilhantemente amarrado, Davies fez um dos melhores filmes de 2017 entre as estreias brasileiras, senão o melhor.