O post seria sobre A Intrusa, que revi por estes dias, mas tive de escrever este no lugar, de supetão, movido por uma nova revisão de A Noviça Rebelde, o filmaço de Robert Wise criminosamente adulterado pelo Telecine Cult – passou em 1.78:1, quando o formato certo é 2.35:1. Ou seja, a falta de tarjas em cima e em baixo faz com que às vezes uma ou duas das sete crianças fiquem fora do enquadramento em que deveriam estar. Antes do DVD, lamentávamos o full screen dos filmes passados na TV ou lançados em VHS. Mas entendíamos que ver na TV era uma perda muito maior, mas necessário para o aprendizado cinematográfico. Hoje, com as TVs grandes e os DVDs e Blu-rays no formato certo, parece-nos impensável ver um filme desrespeitado desse jeito.
O fato é que A Noviça Rebelde se aguenta muito bem, mesmo com os problemas no enquadramento televisivo. Impossível esquecer o chiaroscuro nas cenas do convento e o encontro final com a madre superiora, quando ela canta (foto) uma das mais belas canções já compostas por Rodgers e Hammerstein, “Climb Ev’ry Mountain”, e convence a noviça Julie Andrews a seguir o caminho de seu coração, preenchendo novamente com música a casa dos Von Trapp. Outro momento convidativo às lágrimas é quando Julie Andrews canta “My Favorite Things” (Rodgers e Hammerstein, gênios) para as crianças, que foram se proteger dos trovões em seu quarto.
Quando ela sai do convento rumo à mansão do Capitão Von Trapp temos Hollywood sendo influenciada pela Nouvelle Vague, com cortes absurdamente modernos, como bem observou o amigo Francisco Conte. E também quando se casa: corta da penumbra do jardim onde o capitão se declara para o véu de noiva já caindo no rosto dela. Depois um plano mais aberto no convento para vermos o vestido branco todo em contraponto ao preto das roupas das freiras. Depois o órgão da igreja, a caminhada até o altar, a câmera subindo até o alto do altar e, num corte, subindo aos céus como se tivesse quebrado o teto da igreja, os sinos badalando. A perfeição. Corta de novo, desta vez para a sombra do nazismo que introduzirá o terceiro ato.
Não é só uma obra-prima esse filme que mostra como Hollywood pode ressurgir das cinzas frequentemente com sua fábrica dos sonhos. No momento, provavelmente é um dos meus dez filmes de cabeceira.
É reconfortante ler um crítico que tem coragem de expressar o que pensa sem se censurar. Robert Wise deu ao mundo várias obras primas. O chamam de artesão, como se isso fosse uma ofensa terrível. Ele era um artesão com certeza. mas um artesão excepcionalmente brilhante que colocava o seu talento a serviço do filme e
não o filme a serviço do seu ego, como muitos “artistas” fazem. NOVIÇA REBELDE não era um projeto seu, ele pegou “o bonde andando” e transformou a “encomenda” da FOX em um filme excepcional (apesar do ator Plummer ser um tanto inadequado para o papel). Não se pode esquecer que a grande Julie Andrews “caiu do céu” para dar uma excepcional ajuda a Wise. Esses rótulos de artista e de artesão não dizem muita coisa, creio que o melhor critério é conhecer as obras, se entre elas existir um significativo número de grandes obras se torna claro que é um artista de grande talento, não importando muito a maneira como ele atinge esse resultado. Um abraço
Sérgio, está fora do contexto do post, porém tudo é cinema. Vi Táxi Teerã do diretor Iraniano Jafar Panahi. Gostei e comprei mais três dvds do realizador por curiosidade do cinema iraniano. Qual a sua opinião a respeito do Jafar? Obrigado. Abraços.
Teixeira, acho o Taxi Teerã interessante, mas ele tem filmes melhores. Gosto muito de O Balão Branco, O Círculo e Fora de Jogo.
Comprei hoje, a seu mando, o Fora de Jogo, que deve ser muito divertido, pela temática. Mas, você acha o Jafar um diretor interessante?
acho sim, claro.
Sérgio, ‘A noviça rebelde’ é o melhor filme de Robert Wise? Quais outros filmes do diretor você consideraria obra-prima? Se não for muito incômodo, você poderia elaborar um top 10 do diretor?
É o melhor, sim.
Prezado Sérgio, você me lavou a alma. Eu sempre tive um pouco de vergonha de afirmar que a Noviça era um dos meus top ten (pra não dizer top five), e corria a indicar Cidadão Kane. Agora, graças ao seu texto, posso ser mais sincero. Considero também a cena que você comentou a mais emocionante do filme (junto com a canção Climb Ev’ry Mountain).
Por fim, restou mencionar a interpretação de John Coltrane para My Favourite Things, que é aquela que eu levaria para a ilha deserta.
Um abraço.
Sérgio. quais os restantes 9 de cabeceira (contando noviça)?
Luiz (e Emerson). Eu não sei quais seriam os outros nove, pois eles mudam sempre. Só sei que no momento Noviça estaria. Mas em abril a história pode ser outra, já que sempre revejo filmes.
Sérgio, já que você tocou no assunto, quais seriam os teus outros noves filmes de cabeceira no momento? E quanto ao gênero musical, tu poderias fazer um top 10 de todos os tempos em um futuro post para nós? Obrigado!