Resolvi rever alguns filmes do Carlos Hugo Christensen, diretor argentino radicado no Brasil que já havia me impressionado no passado. Não só revi, como vi um que nunca tinha visto: A Morte Transparente, um bom longa de 1978. Mas esses dias revi A Intrusa, o primeiro filme dele que conheci, muitos anos atrás. Na minha cabeça era uma adaptação quadrada de um conto de Jorge Luis Borges. Talvez porque eu estivesse descobrindo Glauber Rocha e Júlio Bressane no mesmo momento. Agora o considero bem inventivo, com uma maneira pouco comum de expor personagens e uns cortes belos porque inesperados. Pode-se dizer o que for de seus filmes, mas nunca que são previsíveis. As histórias que conta podem até conter uma série de soluções já esperadas, mas as maneiras como chegamos a essas soluções tendem a ser no mínimo malucas.
Em A Intrusa, Eduardo, o irmão Nilsen mais novo (Arlindo Barreto, que depois seria o Bozo), vê Cristiano, o mais velho (José de Abreu), passar com sua nova esposa Juliana (Maria Zilda) e fica visivelmente incomodado. A câmera então faz uma rápida panorâmica até dois velhos sentados num banco e um comenta para o outro, em tom galhofeiro: “sabe por que Cain matou Abel?”. Lembraremos disso mais tarde, quando ao ver uma cobra se aproximando do irmão mais velho, o mais novo hesita antes de avisá-lo.
Também o modo como entram os créditos, depois de alguns minutos, é impactante: assim que percebemos “ah, essa é a intrusa”, o nome do filme é estampado na tela. Essa mulher, aliás, é apresentada como uma aquisição de algum mercado – e depois veremos que ela é mesmo uma mercadoria nos pampas gaúchos do fim do século 19.
Em outro momento, vemos o mais velho dos Nilsen andando por sua cabana, a câmera a acompanhá-lo, até que ele abre uma cortina e o corte nos mostra a intrusa em sua cama, olhando fixo para ele. Mais tarde, o mesmo procedimento se repete com o irmão mais velho. Simples, mas com um tipo de sintonia muito precisa, difícil de se ver. Christensen dominava a tradição, e assim podia colocar pitadas de invenção com maior força, mesmo no que é aparentemente convencional.
Fora que é tão bom ver filme brasileiro bem encenado, com uma câmera sempre bem pensada, e com alguns dos zooms mais interessantes que se viu por aqui. Seria bom que nossos atuais cineastas voltassem aos filmes de Christensen.