Portugal – Parte 1

quartovanda

Preparo uma lista dos meus 100 filmes brasileiros de cabeceira. Lista pessoal, como todas que faço (não vejo graça nem propósito em listas ditas responsáveis, que se pretendem representativas). Listas são partes de minha autobiografia, seguindo a ideia de Tag Gallagher em “Narrativa Contra Mundo”. Nessa lista, de 2000 para cá, considero três as obras-primas (ou seja, os filmes para os quais dou cinco estrelas no sistema de cotações da Interlúdio): O Signo do Caos, Serras da Desordem e Já Visto Jamais Visto. São obras de dois diretores – Sganzerla e Tonacci – que começaram nos anos 60.

Agora atravessemos o Atlântico. Vamos a Portugal, esse país minúsculo na entrada do continente europeu, onde felizmente agora estou. Noto as seguintes obras-primas desde 2000:

No Quarto de Vanda (Pedro Costa, 2000)

Palavra e Utopia (Manoel de Oliveira, 2000)

Porto de Minha Infância (Manoel de Oliveira, 2001)

Frágil Como o Mundo (Rita Azevedo Gomes, 2001)

O Princípio da Incerteza (Manoel de Oliveira, 2002)

Vai e Vem (João Cesar Monteiro, 2003)

O Quinto Império (Manoel de Oliveira, 2004)

Espelho Mágico (Manoel de Oliveira, 2005)

Juventude em Marcha (Pedro Costa, 2006)

Wolfram – A Saliva do Lobo (Joana Torgal e Rodolfo Pimenta, 2010)

O Estranho Caso de Angélica (Manoel de Oliveira, 2010)

O Gebo e a Sombra (Manoel de Oliveira, 2012)

A Vingança de uma Mulher (Rita Azevedo Gomes, 2012)

João Bénard da Costa: Outros Amarão os Filmes que Amei (Manuel Mozos, 2013)

Cavalo Dinheiro (Pedro Costa, 2014)

15 filmes cinco estrelas. E olha que eu vi muito mais filmes brasileiros do que portugueses nesse mesmo período (e foram feitos muito mais filmes brasileiros também). Mesmo se tirarmos os filmes de Oliveira, um caso extraordinário, restam oito obras-primas no período. Quase o triplo do que tivemos no Brasil. E se pegarmos o número de filmes que se aproximam dessa excelência, Portugal continua dando um banho. No Brasil do século XXI temos tido muitos bons filmes, mas pouquíssimos grandes filmes.

A que se deve essa discrepância? Nós, que até os anos 70 (ou 80) fazíamos grande cinema, com uma imensidão de obras essenciais, ainda estamos longe de recuperar a boa forma, enquanto os amigos portugueses estão provavelmente em um de seus melhores momentos (junto do cinema novo português dos anos 60 e 70, decerto). Bruno Andrade cantou a bola anos atrás: isso se deve à Cinemateca Portuguesa, a melhor formação que se pode ter. Claro que tem mais: a própria formação escolar européia, muito mais rica do que a nossa, além de uma ideia de civilidade que é quase ausente por aqui (e será ainda mais ausente, percebemos pelos ares obscurantistas que dominam nossa sociedade).

Mas o que mais quero com este post não é criar uma rivalidade boba como a que sempre fazem entre o cinema argentino e o brasileiro. Quero apenas que atentem para a grande lição que nos dá o cinema português: pode-se filmar com pouco e chegar a muito. Um grande filme não precisa de 4 ou 6 milhões de reais para ser feito. E também pode-se exigir mais do espectador. Tonacci, Sganzerla e Bressane (e Joel Yamaji e Luiz Rosemberg) entenderam isso há muito tempo.

Claro que nem tudo reluz em Portugal. A terra de meus avós é maravilhosa, mas também tem seus problemas. Sigam os próximos capítulos.

18 Respostas

  1. Ansioso para ver sua lista de 100 filmes brasileiros. O que você achou da lista recente dos “Os 100 Melhores Filmes Brasileiros”, que será lançado em livro este ano? Sentir a ausência das chanchadas da Atlântida, José Carlos Burle por exemplo.

    1. listas gerais são sempre menos interessantes que as individuais. As discordâncias tendem a aumentar nos filmes mais recentes. É assim em todo lugar.

  2. Acho que tenho rever Tabu e os dois únicos filmes do Manoel de Oliveira que vi (Um filme falado e O estranho caso de Angélica, pois gostei muito do Tabu e achei muito aborrecidos os outros dois.
    O Estranho Caso de Angélica me desapontou tanto que evitei procurar outros filmes do diretor. Embora haja cenas belissimamente planejadas, a forma como a narrativa se desenvolve não me toca.

  3. Outro grande filme “não-português”, mas que deve muito a essa cidade mágica é “La Religieuse Portugaise”, de Eugene Green.

    1. sem dúvida.

  4. O que acha de Mistérios de Lisboa? Para mim, é um dos filmes mais bonitos do século 21. Lisboa, aliás, é provavelmente a cidade mais fotogênica do mundo.

    1. obra-prima, como disse em resposta ao comentário anterior. E acho a mesma coisa de Lisboa.

  5. Maicon Antonio Paim | Responder

    Na minha opinião um dos melhores filmes recentes é Mistérios de Lisboa. Não acha que o filme é tudo isso?

    1. acho obra-prima. curiosamente, não lembrei desse como um filme português. é estranho pensar assim, porque o diretor é chileno radicado na França, de onde, se não me engano, veio a maior parte do dinheiro.

  6. O bruno comentou desse wolfram na foco. Onde vc o viu,sergio?

    1. isso é segredo… rs.

  7. Opa, Sérgio, a lista é boa mesmo. No entanto, como o Emerson vou lhe perguntar sobre ausências na lista, que provavelmente é o que todo mundo que lê uma lista faz (de fato ou ao menos em pensamento). Notei a ausência de qualquer filme do Miguel Gomes. O que acha deles? Não conheço “Aquele Querido Mês de Agosto”, mas o trailer me interessou. Quanto a “Tabu” e “As Mil e Uma Noites”, são filmes pelos quais tenho um carinho enorme. Acho o “Noites” um filme belo demais a refletir sobre a situação econômica portuguesa (a terrinha também tem seus problemas) e o ato de contar histórias. A Xerazade é uma heroína enorme, quase uma contrabandista, que ousa contar essas histórias fantásticas em meio ao caos econômico.

    1. Gosto bastante de Aquele Querido…, gosto de Tabu, apesar de reconhecer muita pose ali, e não gosto do primeiro Mil e uma Noites (o único que vi). Acho que o Gomes foi cooptado pela turma dos enganadores de festivais (Albert Serra, Raya Martin, Lisandro Alonso), o que é uma pena, pois ele parecia ter mais talento que os outros.

  8. Interessante isso. Uma coisa lamentavel, é que raramente filmes portugueses são lançados no Brasil, desses que você citou, apenas uns dois ou três do manoel de Oliveira sairão em DVD no Brasil.
    Parece que o fato de falarmos o mesmo idioma, mas afastou que juntou essas duas cinematografias.
    Precisava rever “O Signo do Caos” e gostei do “Serras da Desordem”, apesar de não saber se considero uma obra prima.
    Na minha opnião, um filme que colocaria como obra prima, eu pelo menos gostei bastante, foi “A Febre do Rato” do Claudio Assis.
    O que você acha dele?
    Para mim é a única obra prima brasileira desde 1981 que tiveram duas, “Pixote” e “Eles não usam Black Tie”.

    1. Não gosto de A Febre do Rato, Rogério. Não gosto do cinema do Cláudio Assis. Já A Erva do Rato acho um belísimo filme.

      1. Na verdade “A Febre do Rato” foi o único filme dele que de fato eu gostei, me lembrou muito alguma coisa na linha cinema marginal e gostei da forma como o filme é conduzido, aquela coisa meio idealista, já os demais não gostei muito, parecem aqueles filmes em que o diretor acha conhecer uma grande verdade, e fica o tempo todo aborrecendo o espectador por conta disso. E sim, também gosto de “A erva do rato”.

  9. Sérgio, só por curiosidade, quando sairá a tua lista de 100 filmes brasileiros?
    Quanto à sua lista de obras-primas portuguesas do século XXI, notei a falta de alguns filmes, como ‘Onde jaz o teu sorriso’, ‘Um filme falado’, ‘Sempre bela’, ‘Singularidades de uma rapariga loura’ e ‘Mal nascida’, ou você não considera estes filmes como obras-primas?

    1. adoro todos eles, Emerson. Mas ficam no terreno das “quase obras-primas”. A lista dos Brasileiros sai ainda neste semestre. Provavelmente na próxima atualização da Interlúdio.

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