Nem tudo reluz em Portugal, eu dizia. Esse adorável país também é consumido pela corrupção e tem uma elite podre (é o que me disseram lá, mas custo a crer que seja tão podre quanto a brasileira). Coimbra funciona meio aos trancos, mas é uma cidade belíssima, com pessoas formidáveis e super atenciosas. Aveiro tem estrutura de cidade turística. É a Veneza portuguesa, dizem. Muito, muito bonita e charmosa.
No Porto, inicialmente nada parece funcionar. O Banco do Brasil é uma piada. Nos hoteis, a internet é ruim e não pega no quarto (nos dois hoteis que fiquei pelo menos foi assim, posso ter dado azar). Me deu uma má impressão desta vez, ao menos nas duas chegadas – na primeira, não havia taxis porque todos protestavam no centro contra o Uber, e um monte de turistas se amontoavam tentando entender o negócio das zonas do metrô- a viagem ao centro de metro é caríssima, aliás; na segunda, a rodoviária escura (que eu já conhecia) e a calçada toda esburacada na saída. Uma pena. As proximidades do Douro (a ribeira) são um show, e o Museu Serralves é fantástico. Os chopes (ou melhor, finos) do fim de tarde, tendo a vista do Atlântico ao pé da foz do Rio Douro me revigorou para voltar à luta no Brasil (aka Novo Afeganistão).
Mas passemos para o campo do cinema, que é o assunto deste blog. Em Aveiro, um sábado incrivelmente chuvoso me fez ficar parte do dia no circuito comercial. Era um complexo de sete salas, no Forum Aveiro (o shopping center mais bacana que conheci). O complexo é controlado pela NOS, que parece dominar a cadeia de distribuição e exibição em Portugal (terrível isso).
Vi Capitão América: Guerra Civil, mais um insuportável videogame da Marvel, para dar a cotação no Guia da Folha (cotação que só não foi mínima porque há no filme uma interessante discussão sobre a culpa pelos acidentes causados nas batalhas dos heróis contra o mal). Na metade do filme, a exibição é interrompida de maneira tosca. Era intervalo programado pela sala para que o público fosse buscar mais pipoca. Pensei: o filme é grande, vai ver é por isso. Mas na sessão noturna, do delicioso filme de Richard Linklater, Todos Querem o Mesmo (Everybody Wants Some!!), houve também um intervalo. Diacho. Pior: a onda estúpida dos lugares marcados está aqui em Portugal também (pelo menos em Aveiro, já que nunca vi exibição de circuito comercial em outra cidade portuguesa). Ou seja, lugares marcados e intervalo em todas as sessões. Aberração, pura e simplesmente.
Cinemateca. Um exemplo, todos sabem. Muitos de seus catálogos são essenciais. Mas porque não os encontramos em livrarias de outras cidades de Portugal? Na rede Bertrand, por exemplo, ou nas Fnacs (a melhor, por sinal, é a de Coimbra). Nem em alfarrabistas (os sebos daqui) é fácil encontrar, fora de Lisboa. Os livreiros aqui tem consciência desse problema, os alfarrabistas também. Mas não há nada que possam fazer. É assim estranho mesmo que uma maravilha de acervo seja exclusividade de uma só livraria, a da própria Cinemateca. E que os excelentes catálogos feitos no passado, incluindo três dos meus preferidos, John Ford, Luis Buñuel e Nicholas Ray, estejam raríssimos de se encontrar.
DVDs. Portugal é muito bem servido de DVDs. Vários filmes portugueses são lançados (João Canijo, Paulo Rocha, Joaquim Pinto, integral João Cesar Monteiro, Manoel de Oliveira, claro, Pedro Costa, e muitos outros; e muitos clássicos americanos, além de uma enormidade de filmes franceses e europeus em geral. Tem coleções apetitosas de Béla Tarr, Satyajit Ray, Éric Rohmer, Monty Python e outras coisas. Em Blu-ray eles ficam devendo para França e Espanha. Talvez para o Brasil também. Mas quem desconfia do excesso de limpeza desses discos em full hd pode se refestelar com os DVDs. Em Coimbra, a oferta era ótima. Mas deixei para comprar no Porto e me ferrei. A Fnac do Porto é fraquinha, coitada. Me ferrei, em termos: o bolso agradece.
Revistas. Não há mais revistas portuguesas de cinema. Na Espanha são muitas, mas aqui… A Première portuguesa acabou. As francesas não chegam mais como chegavam antes (a Cahiers tem em todo lugar, mas a Positif já não se acha mais com facilidade, infelizmente). Fui achar só no bairro rico, já perto do Atlântico (aqui no Porto). Curiosamente, as revistas espanholas também não chegam. Já a Caras tem em todo lugar.
Bebidas. Esta é para encerrar com nota positiva, claro, porque não tinha como ser diferente. Cervejas muito melhores que as do Brasil, que não me deixam estragado no dia seguinte (como as da Ambev). Vinhos fantásticos (mesmo os mais baratos) e as deliciosas ginjinhas (a de Óbidos, principalmente, mas a de Albergaria é boa também). Me arrependi de não ter comprado o Licor de Merda, flagrado na foto que ilustra o post, de uma vitrine no bairro da Boavista. Que diabos de gosto deve ter isso? Não me surpreenderia se fosse uma delícia também.