Aquarius

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“Melhor dar um câncer do que ter um”. “Nós exploramos elas e elas nos roubam de vez em quando”. Com diálogos assim, que viraram meme no facebook, me espanta que o filme esteja sendo tão adorado (embora esteja longe da quase unanimidade de O Som ao Redor). O fato de que o filme foi transformado num cavalo de batalha por esperteza de seu diretor e irresponsabilidade de muitos críticos criou um clima em que a pessoa vai ao cinema, ouve um ou vários “fora, Temer”, e se sente imbuída da obrigação moral de adorar o filme, seja quais forem as imagens que surgirem em sua frente.

Gosto dos curtas de Kleber Mendonça Filho, principalmente de Noite de Sexta, Manhã de Sábado (nunca revisto). Mesmo Recife Frio, piada única que se esgota um pouco na revisão, ainda mantém certa força. Nos longas, os problemas de sua direção tornam-se mais evidentes. Desde o documentário Crítico se percebe uma estrutura frágil, mas ali não tinha muito jeito. Em O Som ao Redor também se nota essa fragilidade, ainda que melhor disfarçada pelos momentos de força vindos de uma certa estranheza da urbanidade caótica. Em Aquarius, a coisa degringola. E o maior problema, a meu ver, é tanto na estrutura (algumas cenas parecem de um outro filme, bem pior) quanto na direção de atores.

Os diálogos fracos, que sao muitos, talvez puxem as atuações do elenco para baixo, ou as atuações não melhoram os diálogos. Provavelmente as duas coisas. Kleber parece ter se preocupado tanto com o foco duplo e outras emulações de Altman e De Palma que se esqueceu de dirigir os atores apropriadamente, em adequação ao drama desenvolvido. Estão à deriva, como mostram bem as cenas de reunião familiar (exceto a de 1980) e, principalmente, a cena horrível na cozinha do apartamento (um pouco esquecida porque logo depois vem um dos momentos mais belos do filme, sobretudo pela maneira como é filmado: o da dedicatória no livro).

Mesmo Sonia Braga, de presença inegável como persona cinematográfica, dama do cinema brasileiro (melhores, contudo, são suas atuações em Dama do Lotação, Dona Flor e Seus Maridos e Eu Te Amo, e como vilã sensual em Rookie, de Clint Eastwood) está abaixo do que poderia. Ela começa o filme dando uma entrevista para um jornal (maneira de Kleber criticar a midia tendenciosa) e passa a atuar nesse modo o filme inteiro, salvo uma ou outra explosão dramática. A cena em que ela dança ao som de Roberto Carlos rivaliza em constrangimento com o rápido e entrecortado aquecimento do corpo, olhando para a câmera, antes de encontrar Irandhir na praia, logo no início. Alguém deveria ter avisado que estavam ruins demais essas cenas.

Já se falou muito do final inconcluso, e concordo com quem o considera decepcionante. Pareceu uma fuga do desfecho melodramático ou trágico que o filme parecia pedir. Ficou um anticlímax que de certo modo condiz com o tom baixo da maior parte das interpretações.

Curiosamente, o filme tem sido beneficiado por uma intensa propaganda: da Globo Filmes, poderosa coprodutora; dos jornais, que parecem estar apoiando efusivamente o filme; e da própria polarização política, utilizada por Kleber com destreza de bom marketeiro (e de quebra fez propaganda de Marcos Petrucelli também). Acho que só isso explica, de um lado, a supervalorização de muitos, de outro, a decepção de tantos outros com um filme que promete muito mais do que cumpre. Esses tantos outros, em sua grande maioria, não se manifestam publicamente. Não é a primeira vez que isso acontece. Não vejo esse silêncio como positivo para o cinema brasileiro.

P.S. No quadro de cotações da Interlúdio, duas cotações positivas mas não muito, três que estão mais para o negativo, uma totalmente negativa.

12 Respostas

  1. Grande Sérgio. Tocou na ferida. Aquarius é, já forçando um pouco a barra, apenas razoável, assim como Sônia Braga como atriz. Não é politicamente correto dizer isso dela, mas pra mim o que ela faz uma centena de outras atrizes sabem fazer. Não a vejo como essa atriz espetacular que se convencionou dizer que ela é.

    No mais, Aquarius tem se sustentado como uma bandeira de oposição aos “golpistas” que derrubaram a presidente perdulária e incapaz. Nada além disso.

    Há que se ter colhões pra dizer isso e você teve.

    Abraço.

  2. Você é um crítico legal, mas seus ideais políticos, sim nem você escapou a isso, influenciou essa critica fraca e preguiçosa… Esse menosprezo ao escrever mostra que nem você conseguiu sair desse redemoinho politico que o filme se encontra.., Gosto do filme, mas no entanto a única crítica que soube mostrar a fragilidade de Aquarius sem esse desprezo de caráter politico foi a Andrea Ormond na Cinética, ali sim, a escrita sobre o filme tava no campo cinematográfico e não ideológico.

    1. 1) você não sabe quais são meus ideias políticos.
      2) no blog, já cansei de dizer, não faço críticas, só comentários. A proposta é texto rápido, sem burilar muito, porque sou ocupado com outras coisas e quero manter este espaço como um laboratório. Talvez eu ainda escreva uma crítica sobre Aquarius. Talvez não escreva mais nada. Se eu escrever uma crítica, pode chamar de ruim à vontade. Não escrevo para agradar ninguém.
      3) aqui, eu quis justamente comentar o redemoinho político, não sair dele.
      4) se você não viu o campo ideológico no texto da Andrea Ormond, não sou eu que vou te mostrar. Aliás, concordo com algumas coisas que ela escreveu, mas o estilo espertinho me afasta das ideias.
      5) sugiro pesquisar mais. Você encontrará crítias e comentários que falaram mal de Aquarius só no campo cinematográfico.

  3. Enfim alguém viu o mesmo filme que eu, porque também não consigo enxergar essa obra-prima em Aquarius. Os diálogos são primários, parecem escritos por um calouro de Sociologia (Sonia Braga com o dedo em riste para o jovem engenheiro: “o problema desse país são vocês da zelite”); a personagem da Sônia Braga não é uma pessoa, é uma santa em cruzada contra o empresariado da construção civil; as cenas de sexo são gratuitas e desnecessárias no seu teor explícito (um casal transando ao ar livre, as lembranças do fellatio da tia, a orgia no apê? – ah, é pq somos brasileiros, temos a sexualidade mais livre, blablabla), o final inconcluso (e o que raio faz aquele sobrinho dela no filme inteiro, que vai ao escritório da empreiteira só pra falar um palavrão ao dono). Se tivesse cortado toda a primeira parte do filme, não ia fazer falta.
    nota 3 de 5

    1. Pelo que você escreveu achei a nota até alta.

      1. Errei na digitação. Era 2 de 5, mas não consegui editar o comentário depois de postar.

  4. Engraçado… Achei aquela entrevista sensacional, à primeira vista. Mostrava uma surdez da juventude frente à perspetiva histórica que a protagonista trazia, e todas as consequências que isso gera. No entanto, o filme cai bastante até seu final, e mesmo essa semana, que eu havia achado maravilhosa, se torna, como você falou, uma “denúncia” sobre a mídia tendenciosa. Pobre, bem pobre. Realmente, o filme promete muito, mas entrega muito pouco.

    1. nao acho essa cena ruim por ser uma denúncia da mídia tendenciosa. O problema que vejo está no tom de interpretação da Sonia. Um dos problemas, melhor dizendo.

      1. Quem dera fosse um filme-denúncia de fato! Mas vejo que esse aspecto meio que se perde em meio a outras discussões, quase todas sub-aproveitadas. Mas ainda gosto do filme, e o Inácio Araújo me mostrou o porquê: é um bang-bang. Lendo-o assim, percebi por que gostei, apesar de sair da sala também frustrado.

  5. Não vi o filme, mas, independente da qualidade (ou falta de qualidade) dele, critico os que fazem analises em que se escreve sobre quase tudo, menos sobre a qualidade cinematográfica (ou falta dela) do filme. Já estou cheio dos pró PT e dos contra também. Quero lógica, bom senso e inteligência. Até mais.

  6. porquê que acham aquarius obra-prima imagética do cinema atual?

  7. E o novo filme de Woody Allen Sérgio, já assistisse, o que achaste? No quadro de cotações receberia quantas estrelas?

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