Arrumem espaço nas prateleiras

coffy

Coffy, de Jack Hill

Os colecionadores de DVDs estão em polvorosa. Não me lembro de uma outra época com tantos lançamentos bons como os últimos dois anos. Principalmente porque a Obras-primas do cinema resolveu competir com a Versátil e tem lançado quitutes imperdíveis como as trilogias Guerra e Humanidade, de Kobayashi, e a Trilogia de Apu, de Satyajit Ray.

O último pacote que recebi da Versátil me chamou a atenção por ser especialmente apetitoso. 12 DVDs distribuídos em cinco títulos que custam uma merreca. São ao todo 21 filmes que provavelmente ultrapassam, em qualidade, todo o catálogo do Netflix (é uma provocação, não uma afirmação; a birra com o Netflix vem da constatação de que esse mercado de lançamentos de DVD tende a morrer ou ficar cada vez mais restrito por causa dessa mania maldita de streaming e os péssimos catálogos das empresas que lidam com video on demand, além desse nefasto algoritmo do gosto, uma praga a ser exterminada).

Começando pela coleção Blaxploitation, gênero que rendeu muitas picaretagens e muitas maravilhas, além de uma série de trilhas sonoras fundamentais para o soul e o funk dos anos 70. Dos quatro filmes produzidos entre 1972 e 1974, conheço e gosto de três: A Máfia Nunca Perdoa (Barry Shear), com a maravilhosa música de Bobby Womack que Tarantino usou em seu melhor filme, Jackie Brown; Coffy, um dos melhores filmes de Jack Hill, diretor que vinha de dois filmes do subgênero exploitation WIP (Women in Prison), com a presença marcante da musa Pam Grier como a grande heroína que procura vingança, além das cores mais vistosas do período; e o melhor de todos, O Chefão do Gueto, dirigido pelo talentosíssimo Larry Cohen. A meu ver, não é só o melhor da coleção, mas de todo o Blaxploitation (afirmação contestada pelo Heitor Augusto, que conhece mais filmes do gênero). O quarto é Truck Turner, de Jonathan Kaplan, com protagonismo de Isaac Hayes, grande músico de um vozeirão ao mesmo tempo sussurrado e tonitruante. A ver se sua performance como ator tem força equivalente à de sua persona musical.

De um dos mais famosos diretores negros, vale destacar a edição dupla com o grandioso Malcolm X, talvez o filme mais ambicioso de Spike Lee. Lembro que na época em que estreou no Brasil o filme recebeu críticas mornas, quando não desapontadas (não lembro se houve sequer um elogio na imprensa). Era o segundo filme seguido de Lee mal recebido por aqui, após Mais e Melhores Blues. Como fã de seus filmes, fui conferir (salvo engano, no Belas Artes, onde já havia visto Febre da Selva) e gostei bastante. Nunca revi, mas imagino que ao menos parte de sua força (a presença de Denzel Washington no papel principal, por exemplo) permaneça intacta.

A ideia de lançar uma coleção com quatro filmes ingleses de Hitchcock (A Arte de Alfred Hitchcock) parece ainda melhor quando na escolha estão três dos melhores filmes dessa fase: O Inquilino (1926), seu melhor filme mudo (ao lado de The Manxman); O Marido Era o Culpado (1936 – “não se coloca uma bomba no colo de uma criança se não for para a bomba explodir”) e Jovem e Inocente (1937), meu preferido pessoal, o filme que tem o famoso travelling que atravessa todo o salão e termina num plano fechado no olho esquerdo do assassino. O quarto filme não fica muito atrás. trata-se de A Estalagem Maldita (1939), com Charles Laughton numa adaptação de Daphne du Maurier.

Outra coleção apetitosa é a Clássicos da Sci-Fi, que em seu terceiro volume oferece mais possibilidades de voltarmos ao tempo das matinês televisivas dos anos 80. Digo isso porque a maior parte dos filmes da coleção eu via nessas sessões. Não são grandes filmes, com a exceção de Daqui a Cem Anos, de William Cameron Menzies (ainda bem que não tiraram a preposição, porque hoje em dia se tornou desesperadamente comum falar “daqui cem anos”). Guardo boas lembranças de Pânico no Ano Zero, de Ray Milland, e O Emissário de Outro Mundo, de Roger Corman, mas não os lembro como especiais, apenas como filmes agradáveis e divertidos. A memória ainda diz que Fase IV: A Destruição (1974), de Saul Bass, vale pela bizarrice e por ser o único filme dirigido pelo mestre dos créditos de filmes de Hitchcock e Preminger, entre outros. Não lembro de ter visto Colossus 1980 (1970), de Joseph Sargent, e não achei bom, na época em que estreou na TV, o badalado Repo Man de Alex Cox. Mas voltar a esses filmes será diversão garantida.

Fechando o pacote temos o sétimo (?!?!?!) volume da bela coleção de Filmes Noir. Não constam em minhas anotações cheias de falhas que nunca serão corrigidas os quatro filmes que preenchem o segundo e o terceiro DVDs da coleção: Tensão é de John Berry, diretor de bons filmes que foi redescoberto após ter sido citado por Tarantino em entrevistas; A Taverna do Caminho é do artesão Jean Negulesco, e conta com a especial (como atriz e como diretora) ida Lupino; Justiça Injusta é de Cy Endfield, um dos diretores mais prejudicados pelo macarthismo; A Noite de 23 de Maio é de John Sturges, diretor que anos mais tarde ficaria conhecido pelos faroestes Sem Lei, Sem Alma (1957) e Sete Homens e Um Destino (1960) e pelo filme de prisioneiros de guerra Fugindo do Inferno (1963). A coleção valeria só por esses filmes raros, mas no DVD 1 tem Almas Perversas, de Fritz Lang (refilmagem americana de A Cadela, de outro gênio, Jean Renoir) e Cinzas que Queimam (dirigido por Nicholas Ray, que adoeceu numa parte das filmagens e teve de ser substituído pela estrela Ida Lupino, então já diretora de grandes filmes, que não ganhou crédito).

15 Respostas

  1. Sergio, descobri seu site em 2010, e sempre acompanho, raramente comento e leio todos os posts. Trabalho numa área nada a ver com cinema (tecnologia), e como me identifiquei lendo o “algoritmo do gosto” e “streaming” que tomou conta do gosto de todos. Trabalho com muitas pessoas e sempre fui cinéfilo (por hobby) e vejo que hoje, as pessoas assistem mais filmes e séries que eu, devido aos “netflix”, embora não escolhem ao que assistem e aceitam o catálogo de tal, o definitivo, porque abrange o gosto de “todos”. Irritante ouvir o senso comum (hehehe).
    Já descobri muita coisa devido a indicações suas (o desse post não conheço praticamente nada), desgostei de várias e discordei de várias de suas criticas no passado, mas né? é essa a graça certo?
    Obs: Concordei com a maioria de suas criticas e recomendações, seja de filmes, musica ou até futebol etc….
    Parabéns pelo Blog!
    Feliz ano novo!

    1. é isso, Luciano. Obrigado pelas palavras. Acho que aceitar o netflix é passar recibo para toda essa padronização estúpida do gosto que vem acontecendo há alguns anos e se acentuou nos dois últimos.

  2. Sérgio, fala com o pessoal da Versátil o que eles acham de um box com alguns filmes do Ernst Lubitsch. E pega o Fernando pelos colarinhos e manda ele reeditar o dvd SUA UNICA SAIDA do Raoul Walsh e o box Edgar Allan Poe no Cinema volume 1…rs. Grande abraço e um excelente ano novo com muita saúde.

    1. Lubitsch é essencial. Apoiado. Mas acho que não é só querer, né? precisa ter os direitos para lançar e tal.

      1. OTÁVIO GOMES FILHO

        Eu pensei nisso dos direitos autorais e a obra do Lubitsch está em domínio público. Justamente por isso é que tenho visto cada edição porca por aí dos filmes. Acho que seria interessante pensar num lançamento do tipo.

      2. é verdade. e ele merece edições caprichadas.

  3. Ótimo comentário sobre o serviço de streaming…gosto bastante…mas para quem quer se aprofundar o serviço é bem falho…por esta razão é que acho que DVDS, CDs nunca desaparecerão do mercado…mas cada vez mais se transformarão em produtos de nicho.

    Grande Abraço

  4. Oi Sergio parabens por esta resenha ! Estou comprando a trilogia Guerra e Humanidade e o Guerra e Paz russo. V. conhece os primeiros filmes do Larry Cohen? Gosto muito. E lanço um desafio : encontrar os filmes do Leslie Stevens , principalmente Hero´s Island (A Terra que amamos), de 62, e Private Property (Propriedade Privada), de 60, que vi NOS CINEMAS no lançamento e dos quais nunca mais ouvi falar. Feliz Ano Novo! Aguardo sua visita até hoje para vermos o armário dos livros.Abs, Elie

    1. boa lembrança, Elie. Dele só conheço o Incubus, e adoro. Vou procurar.

      1. Se V. encontrar Leslie Stevens, me avise? Não estão disponíveis na Amazon nem na Fnac. Obrigado

  5. Olá Sérgio.

    Não tenho Netflix e só dei uma espiada duas vezes no catálogo deles. Claramente visam o público médio, mas com algumas opções mais “cults”, como Almodóvar, Lars Von Trier etc. Seguindo a lógica da Cauda Longa, você não acha que haveria espaço para um serviço de streaming de nicho, visando especificamente o público cinéfilo? Certamente seria uma boa para quem adora filmes, mas não têm prateleiras e mais prateleiras para guardá-los.

    Abraços,

    Israel

    1. espaço há. Espero que seja ocupado. Não gosto muito de streaming também porque uso muito filmes em aula, e nem sempre é possível ter internet nas salas de aula.

      1. Já existe um canal de streaming para um público mais exigente e “alternativo”, trata-se do MUBI (https://mubi.com/). Só que legendas acho que só em inglês mesmo.

      2. tem o da Lume também, que ainda não vi como é. Sim, esses se salvam, mas vão ficar no nicho, o que me parece problemático. Minha questão é com o Netflix mesmo, que domina tudo e faz com que esse maldito algoritmo do gosto domine também.

  6. Bom fim de ano ,Sérgio
    Suas matérias sempre muito aproveitosas,e claro nos ensinando a conhecer os filmes de outra maneira,que em 2017 ,espero ver matérias boas também do autor e produtor japonês Ryuho Okawa,dos filmes as leis do sol,o renascimento de Buda,as leis da eternidade,as leis místicas,o julgamento final,as leis do universo,as leis douradas,um fine.
    um grande abraço

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