Tarkovski – Eterno Retorno (BH)

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Fui convidado para acompanhar, por três dias, a Mostra Tarkovski, no Cine Humberto Mauro, Belo Horizonte. Os três dias viraram dois, uma vez que o domingo foi dedicado a trabalhos daqui de São Paulo, aproveitando que iriam exibir três longas que eu tinha acabado de rever, um deles, o que estava no melhor horário, em DCP (o que me fez desistir de revê-lo, não porque o DCP fosse ruim, mas porque já o tinha revisto num mkv majestoso em casa e há não muito tempo em película).

O que me leva a explicar que revi esses e os outros filmes feitos por Tarkovski para escrever um dos textos do enorme catálogo (466 páginas). Sou, assim, suspeito por tudo que vou escrever aqui, uma vez que trabalhei para a mostra e este texto, assim, ganha ares publicitários (no blog, espaço mais livre e descompromissado, menos mal). Confio na minha capacidade de separar as coisas e perceber problemas e carências da mostra, e todas os têm (ainda que, nos dois dias, não foi possível detectar nada de muito sério), mas entendo que o leitor não é obrigado a confiar, afinal, há um conflito de interesses em jogo. Feito o aviso, vamos em frente.

Quase todas as cópias passaram em película e quase todas as sessões tiveram lotação esgotada. A sala Humberto Mauro, com seus pouco mais de 100 lugares e sua projeção decente, parece pequena nessas ocasiões. Ou Tarkovski é que de uma hora para outra virou cineasta de salas stadium com mais de 200 lugares? A propaganda gratuita que lhe fez O Regresso, de Iñarritu, deve ter servido ao menos para isso (Robert Bird fez uma menção que me pareceu elogiosa ao embuste mexicano).

Na programação, aliás, alguns diálogos interessantes com o universo de Tarkovski: A Cor da Romã (Sergei Paradjanov), Paisagem na Neblina (Theo Angelopoulos), Morangos Silvestres (Ingmar Bergman), Contos da Lua Vaga (Kenji Mizoguchi), Mouchette (Robert Bresson), O Quarto (Chantal Akerman), O Intruso (Claire Denis), Nazarin (Luis Buñuel), Novo Mundo (Terrence Malick). Oito longas e um curta, o de Akerman, que ja valeriam uma ótima mostra, e valorizam-se ainda mais em contato com as obras do grande cineasta russo. (Novo Mundo está um tanto deslocado aí, mas vá lá).

Acompanhei o debate multilingue, resolvido com incrível habilidade pela produção, com várias línguas sendo faladas ao mesmo tempo, pois tiveram a feliz ideia de colocar tradutores ali, do lado dos debatedores, e não em cabines, com tradução simultânea por fones de ouvido (situações em que, já reparei, não consigo entender nem a língua original, mesmo quando a conheço, nem a tradução). O crítico e professor Robert Bird e Michal Leszczylowski  (montador de O Sacrifício) falaram um inglês claro, perfeitamente compreensível sem tradução. A italiana Donatella Baglivo (diretora de três documentários sobre Tarkovski) também pronunciava de forma clara, fazendo-me pensar que meu italiano não é tão terrível assim. Com os russos não tinha jeito, e a tradutora fez milagre no meio deles. Nem tanto com Evgeny Tsymbal (assistente de direção de Tarkovski e diretor de mais de 30 longas), que falava pausadamente, mas certamente com Dmitry Salynskly, cujo humor é tão lépido quanto as palavras que saem de sua boca. Uma metralhadora verbal, como há muito eu não via. Mas certamente o membro mais carismático de todo o debate. Tirando uma ou outra curiosidade de bastidores dos que trabalharam diretamente com Tarkovski, Michal e Evgeny, nada de novo foi dito para quem já leu algo sobre ele (sobretudo os livros de Michel Chion e Antoine De Baecque, e os Diários e Esculpir o Tempo, do próprio Tarkovski). Falaram dos planos longos, das panorâmicas reveladoras e dos travellings cuidadosos, da maneira como ele domina o tempo, e tentaram, em vão, combater o clichê da espiritualidade em seus filmes (alguns clichês existem porque são difíceis de serem quebrados). Mesmo Bird, que ameaçou polemizar, não saiu muito do beabá tarkovskiano.

Na segunda-feira, vi Retorno à Zona, de Nicolai Alhazov, no qual Evgeny Tsymbal leva um grupo de curiosos à locação que serviu como a Zona de Stalker. Nada mais que um extra de DVD projetado em tela grande. Mas para os curiosos, um programa leve, de 53 minutos, que não deixa de ter seu interesse. Vários outros documentários foram exibidos, dos quais só conheço Tempo de Viagem, que o próprio Tarkovski dirigiu com Tonino Guerra, e Dirigido por Andrei Tarkovski, de Michal Leszczylowski, que tem como extra do DVD brasileiro de O Sacrifício.

Vi o seminário ministrado por Robert Bird e intitulado “Modelo, Testemunha e Dissidente”, em que ele explica porque não acha Tarkovski um dissidente, preferindo se referir a ele como um auto-exilado por motivos artísticos, não por motivo político. Atencioso e didático, Bird não recuou diante de perguntas estranhas da plateia, nem diante das perguntas fora de hora (há professores que não gostam de serem interrompidos). Ele também não disse nada de novo, mas para o público que estava sendo formado ali (que não era pequeno), que tomava conhecimento da obra de Tarkovski pela primeira vez e em cujos olhos se via o brilho de uma rara descoberta, penso que foi bem valiosa toda a experiência. Que façam mais mostras desse tipo, de formação de público, que ofereçam a oportunidade de rever e pensar uma obra grandiosa em vinte dias.

3 Respostas

  1. Já que o Emerson tocou no assunto, qual é a sua impressão do Elem Klimov?

    1. gosto. Mas não revejo seus filmes há muito tempo.

  2. Sérgio, tu poderias dizer quais são os teus cineastas russos favoritos?

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