Críticos de cabeceira – Parte 2

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Esqueci alguns, outros não cabiam, enfim, fui colocando os que lembrei primeiro, esquecendo de um que não podia esquecer: André Bazin. De todo modo, senti que era necessária esta segunda parte dos meus críticos de cabeceira (seriam necessárias, provavelmente, mais duas partes, mas encerro por aqui). E é nesta parte que fica evidente a escola crítica que mais me guiou: a francesa dos anos 50 e 60.

Claro que muitos outros nomes que admiro ficam de fora, incluindo alguns nomes pouco falados e conhecidos no Brasil (Gérard Legrand, Adriano Aprà, Angel Quintana) e alguns de minha geração, com os quais ainda tenho conversas iluminadoras. Não cabia todo mundo, digo mais uma vez.

Este post encerra também, mas temporariamente, a série sobre crítica iniciada com o post sobre Northrop Frye.

– André Bazin

É em O Cinema da Crueldade que está a maior parte de seus textos essenciais. Mas é necessário ter também O Que É o Cinema, recentemente relançado pela Cosac Naify. Que, diga-se, é uma coletânea da versão francesa. Bazin era capaz de, tendo visto no máximo 25 filmes japoneses, fazer um tratado sobre o estilo do cinema japonês. Eu, tendo visto, sei lá, 300 filmes japoneses, ou mais, talvez até muito mais (nunca contei), seria incapaz de 10% do que ele faz ali (o texto está no capítulo para Kurosawa do livro O Cinema da Crueldade).

– Eric Rohmer

Como crítico e editor, era defensor de um classicismo cinematográfico, mas engana-se quem pensa que ele era avesso à modernidade ou à Nouvelle Vague. Durante sua editoria, a NV teve, sim, um espaço considerável, incluindo algumas capas para filmes não tão bons (como dois do fundador da Cahiers, Jacques Doniol-Valcroze, mal recebidos no quadro de cotação nos números seguintes às respectivas capas). Escreveu textos essenciais como “Cinema, a arte do espaço” e “O Gosto da Beleza”, entre muitos outros. Suas entrevistas eram grandes lições de vida, dignidade e cinema. Um verdadeiro mestre.

– Henry Langlois

Fundador da Cinemateca Francesa e autor da sentença que eu mais uso nos últimos anos (“como crítico, me recuso a abdicar de minha subjetividade, e ao mesmo tempo me recuso a rejeitar qualquer filme como programador”). Em 2014, no centenário de seu nascimento, uma nova e mais abrangente compilação de seus textos foi lançada na França. Claro que não chegará ao Brasil, este fim de mundo do pensamento (e como eu adoraria queimar a língua). Basta dizer que seu texto sobre Howard Hawks é melhor que o de Rivette.

– Michel Mourlet

Fosse apenas por “Sobre uma Arte Ignorada”, publicado numa Cahiers de 1959 (ainda sob editoria de Rohmer, que se precaveu do radicalismo de Mourlet colocando seu texto em itálico), o texto continua atual, justamente porque denuncia, entre muitas outras coisas, uma prática ainda comum, a de encontrar uma obra-prima por semana. Vale encomendar seu livro, infelizmente só em francês, L’Écran Éblouissant.

– Jean Domarchi

Classicista de textos eruditos e claros (como todo bom classicista), Domarchi era o crítico mais minnelliano da Cahiers nos anos 50. A cada filme de Minnelli lançado na França, dá-lhe texto essencial de Domarchi. Textos que, aliás, precisavam ser traduzidos. Por enquanto, encontrei apenas este, sobre uma obra-prima de Mizoguchi. Escreveu ainda textos maravilhosos sobre Hitchcock, Nicholas Ray, Frank Tashlin, musicais e outras coisas hollywoodianas da época.

– Jacques Rivette

Em “Da Abjeção”, ataca a espetacularização de um cinema engajado de esquerda que automaticamente era elogiado pela crítica francesa da época. O malhado foi Gillo Pontecorvo, com seu travelling de Kapo. Mas Rivette tem ainda textos geniais sobre Rossellini, Mizoguchi, Chaplin. Quando assumiu a editoria da Cahiers, em 1963, tinha a ambição de fazer da revista uma fortaleza para a Nouvelle Vague (Rohmer, mais equilibrado, era contra).

– Antonio Candido

Queria fazer esta lista só com críticos cinematográficos (razão pela qual não coloquei, lamentavelmente, Mário Pedrosa e Giulio Carlo Argan, por exemplo), mas a inteligência e a sagacidade de Antonio Cândido se impuseram. Foi leitura constante em uma fase de minha vida (1993-1996), quando o ócio me impelia a acumular conhecimento de maneira desordenada (outro pensador que li muito nessa época e recomendo demais: Emil Cioran). Quando escrevia sobre a crítica, Candido era implacável. Sociólogo de formação, falou, como Northrop Frye, da necessidade de não subordinar a literatura (ou o cinema, podemos dizer) a argumentações trazidas prontas da sociologia ou de outra disciplina, e observou que a crítica literária moderna se livrou dessas armadilhas (“a crítica moderna superou não foi a orientação sociológica, sempre possível e legítima, mas o sociologismo crítico, a tendência devoradora de tudo explicar por meio de fatores sociais”). Quando escrevia críticas literárias, era extremamente perspicaz. E como historiador é de uma justeza invejável. Um de nossos grandes pensadores, sem dúvida. Seu livro mais importante talvez seja O Observador Literário. Mas não deixe de ler com atenção qualquer texto solto que aparecer com sua assinatura.

– Noel Simsolo

Todos os livros sobre cinema que li de Simsolo são obrigatórios: sobre Hitchcock, Fritz Lang, Clint Eastwood, Howard Hawks (do qual li apenas trechos), Film Noir e o ótimo e polêmico Dicionário da Nouvelle Vague.

– Hélène Frappat

Confesso que na época em que ela escrevia na Cahiers du Cinéma eu não acompanhava muito a revista. Mas a descobri anos depois no excelente livro que escreveu sobre Jacques Rivette, leitura obrigatória.

– Jean-Baptiste Thoret

O número de ideias de seu antológico Le Cinéma Américain des Anées 70 já o credencia para um lugar nesta nobre lista. Esse livro, que eu saiba, só existe em francês. Meu conselho é que o leitor compre junto de um dicionário bem grande, para aprender cinema e francês ao mesmo tempo, com os ensinamentos de Thoret. Ele tem ainda livros excelentes sobre Michael Cimino, Dario Argento e o didático Cinéma Contemporain: Mode d’Emploi (este em francês e inglês – Talk About Cinema).

14 Respostas

  1. Sérgio. Li o texto da Folha. Só poderia ser na linha do teu pensamento, com a qual alinho. O que mais me deixou satisfeito é que não recorreram a um crítico Kibon, isto é, pasteurizado. Parabéns.

    1. Obrigado, Teixeira. Seria melhor se tivesse mais espaço. Ficou meio apressado o texto. Mas acho que deu conta do recado.

      1. Não sou, como você, um grande admirador de Oscar. Porém, esse ano me animei com o Mad Max. Sabia que não ganharia. Apenas reclamo de não terem dado ao George Miller a estatueta de melhor diretor. Merecia, e muito. No mais, o filme que ganhou, apenas um lembrete, ou dois. “Todos os homens do presidente”provocou a queda de Nixon. Esse, sob jornalismo investigativo a respeito da pedofilia “cristâ”, não ataca o problema. Tangencia. Enquanto o celibato não for abolido, continuará a bolinação! Mais ou menos contida. Com todo o respeito ao Papa Francisco, que, todos, ou quase todos admiram. Então, é como um amigo meu. Nunca comeu polvo, mas não gosta. Não irei ver o filme vencedor. Perda de tempo, mesmo que seja bem feito. Denúncia vazia.

      2. acho Spotlight bem levado. Claramente calcado em Todos os Homens do Presidente. Ou seja, um sub-Pakula hoje em dia vale alguma coisa.

  2. Sérgio, não ganha, bem sei, mas estamos de acordo. Daria a estatueta para Mad Max. Vou ler teu texto amanhã. E para mim a Charlize foi a melhor atriz do ano. Já comprei em blu ray, depois de ver no cinema. Considero o filme arte em movimento!

    1. quem sabe a academia não nos surpreende? Vamos ver…

  3. Sérgio, O Oscar.. O que acha das produções em concorrência?

    1. Luiz, domingo vai sair um texto meu na Folha sobre isso. Não vou me adiantar por aqui. Digo, por enquanto, que o meu preferido entre os indicados é Mad Max.

  4. didamagalhaesfrombrazil | Responder

    Oi professor!

    Hoje que ví seu email.

    Depois vou ler com atenção a carinho especial.

    Grata

    Dida

    ________________________________

    1. que email, Dida?

  5. Uma questão sem ligação com o post em si: na sua opinião, qual a melhor maneira de conhecer a filmografia de um diretor? Assistir toda sua obra de uma vez, seguindo ordem cronológica, ou indo aos poucos, vendo os filmes com certo espaço entre um e outro?

    1. em ordem cronológica, aos poucos ou de uma vez, de acordo com o tempo de cada um, mas em ordem cronológica.

  6. São dois posts sentimentais. Uma recordação de vida e de aprendizado. É assim! Não em cinema, mas no que diz respeito em minha área de estudo, que parece, felizmente, não se acaba nunca, como na tua. Continuo a comprar e ler livros. Tenho uma fila. No momento, leio, e finjo ler, uns dois ou três. Porém, ainda, apesar de tanto esforço, anos de pesquisa continuo um nostálgico, do que não aprendi, especialmente. Gosto de Pessoa, Álvaro de Campos, quando diz que “sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram”. Afinal, somos apenas aprendiz de feiticeiro ou valemos a pena?

    1. É por aí, Teixeira. Quanto mais envelheço, mais acumulo sabedoria, e mais vejo que sei muito pouco das coisas. O aprendizado é eterno, e o mais legal é que eu aprenderia muito mais coisas relendo todos esses vinte críticos. E desaprenderia também, porque às vezes criam belas confusões mentais.

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